Texto: Luís
de Matos
Fotos: Luís
de Matos e Maria José Lopes
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Foto: O trajecto.
Dizem os
antigos, que nunca conhecemos suficientemente bem o nosso próprio país, quanto
mais um país estrangeiro. Mesmo tratando-se de um país “vizinho”. Grande
verdade! Dito isto, ao longo dos anos até temos tido a oportunidade de visitar
e atravessar inúmeras vezes o país de “nuestros hermanos”, especialmente a sua região
da Andaluzia.
Com a
reabertura ao público do “Camiñito del Rey”, próximo de Málaga, resolvemos não
esperar que se voltasse a degradar, e fazer-lhe uma visita. De permeio, incluímos
uma incursão mais demorada à zona dos chamados “Pueblos Blancos”, a Ronda e também a Málaga. Já
por ali tínhamos andado, com a nossa filha, mas noutro contexto e com outros
destinos em mente.
Foi uma
viagem pequena, de uma semana. Partindo de Abrantes, o tal “centro do mundo”, e
fazendo de Vilamoura a nossa base de férias, a viagem ficou-se por apenas cerca
de dois mil quilómetros. Levámos, claro está, o nosso inseparável amigo
“Pantera Negra”, já com um quarto de século e quase quatrocentos mil
quilómetros de bons e fieis serviços.
Mais uma vez, na Andaluzia, abstivemo-nos de percursos fora-de-estrada. A legislação é bastante rígida e, na época estival, as incursões fora-de-estrada em zonas sensíveis por parte de viaturas não autorizadas, são proibidas devido ao elevado risco de incêndio. E estava calor!
Seguimos, portanto, sempre por estrada! Mapas Michelin, guias American Express e Rutas por la Costa de Andalucía a bordo, e rumamos a Espanha.
Estradas com paisagens deslumbrantes, ou não tivessemos atravessado alguns parques naturais emblemáticos (e.g., Parque Natural de Los Alcornocales, Parque Natural de la Sierra de Grazalema, Parque Natural del Torcal de Antequera).
Entravamos nas zonas que, até ao final do século XV, fizeram fronteira com o antigo Reino Nasrida de Granada. No dia 2 de Janeiro de 1492, com a rendição de Maomé XII, terminaram mais de sete séculos de ocupação muçulmana na Península Ibérica. Muitas destas povoações ainda mantêm o epíteto “… de la Frontera”.
Foto: Limites do antigo Reino Nasrida de Granada.
(Fonte: http://www.Wikipedia.com)
Elegemos
para primeira escala a povoação de Vejer de la Frontera, onde chegamos à hora
de almoço.
O encanto destas
povoações, pintadas de branco por causa do calor, não está nos seus grandes e
incontornáveis monumentos, que não têm. São, acima de tudo, povoações para
serem apreciadas enquanto se deambula pelas suas ruas e ruelas, cantos e
recantos, procurando prestar atenção aos pequenos detalhes. Povoações antigas,
milenares até, que não foram pensadas para a circulação automóvel. De todo! Não
vale a pena arriscar a integridade do veículo nestas estreitíssimas e
contorcidas ruelas. O “Pantera Negra”, escusado será dizer, teve de ficar quase
sempre em parques de estacionamento à entrada das povoações, ou em parques
geridos pelos hotéis onde pernoitámos…, com lugar reservado com imensa
antecedência. Em muitos casos, as vistas à distância destas povoações
alcandoradas nos montes, suplantam a própria povoação.
Vejer de la Frontera, que quase não é citada na generalidade dos guias de viagem, foi provavelmente a povoação que mais nos encantou. Situada a cerca de 200 metros de altitude, no topo de uma montanha (montanha pequena, entenda-se), tem vistas privilegiadas a toda a volta. A batalha de Trafalgar, entre a armada britânica (comandada pelo Almirante Horatio Nelson) e as forças conjuntas de Espanha e França (comandadas pelo Almirante Pierre Villeneuve), decorreu em 21 de Outubro de 1805, próximo do Cabo de Trafalgar, à vista de Vejer de la Frontera.
Com registos de ocupação humana desde os tempos pré-históricos e hoje com cerca de treze mil habitantes, Vejer de la Frontera foi a Bӕssipo dos Romanos e, a partir do século VII, a Besher dos Árabes. Em 1285 foi, definitivamente, reconquistada pelos Cristãos.
A Plaza de España é, como em muitas povoações do país vizinho, o coração da urbe. Além de concentrar lojas, bares, restaurantes e alojamentos, tem uma belíssima fonte revestida a azulejos no seu centro. Um chá marroquino, com “carradas” de açúcar, ao final da tarde é uma experiência típica da Andaluzia. Sim! Não é necessário atravessar o estreito de Gibraltar para tomar um bom chá marroquino! Um óptimo lugar para o degustar é a “Tetería del Califa”, anexa ao hotel “Casa del Califa”. Ah! E fugir da “época alta”, pois a povoação está a menos de oito quilómetros da costa…
Fotos: Vejer de la Frontera.
Deixámos
Vejer de la Fronteira com rumo a Arcos de la Frontera. De permeio, uma passagem
por Medina Sidónia. Não tanto pela povoação e tentativa de recuperação
arqueológica do castelo e instalações associadas, mas, essencialmente pela
importância histórica dos seus regentes nas relações ibéricas. Medina Sidónia foi
um dos mais importantes Ducados espanhóis nos séculos XV e XVI e, em 1588, o
Almirante D. Alonso Pérez de Guzmán, VIIº Duque de Medina Sidónia, comandou a
“invencível armada” contra os ingleses…, com o desfecho que se conhece.
Portugal e
o Rei D. João II tiveram no IIº Duque de Medina Sidónia, D. Enrique
Pérez de Guzmán, um importante aliado naquele que foi, provavelmente, o maior
projecto estratégico de Portugal. Em segredo, nos séculos XIV e XV, o Reino de
Portugal tornou-se no maior conhecedor da construção e navegação marítimas, e
de todas as ciências a tal associadas. O domínio dos oceanos Atlântico e Índico
eram cruciais para o controlo das fontes de riqueza da época (que se situavam
no Índico) e do seu comércio… Mas, para tal, era necessário distrair Espanha e
entretê-la, e aos seus exércitos, longe das zonas banhadas pelo dito oceano
Índico. Como? Oferecendo-lhe um “Novo Mundo, supostamente a transbordar de
riquezas”. Este ardil de geoestratégia, inteligentemente arquitectado por
Portugal ao longo de décadas, funcionou na perfeição. Mais, o segredo foi tão
bem construído e a desinformação tão bem colocada (e mantida) em toda a Europa
que, ainda hoje, passado meio milénio, não se conseguiu descortinar na sua
totalidade. Portugal foi a primeira potência global que o mundo conheceu e,
durante um século, manteve-se como tal. Seguiu-se-lhe a Espanha… O Duque de
Medina Sidónia foi, à época, uma peça importante no suporte ao Rei D. João II e
ao Almirante D. Cristóbal Cólon (que não era nenhum pobretanas genovês, mas
sim, um instruído nobre da mais alta linhagem, nascido em Portugal) em todo
esse plano de sucesso. O Professor Manuel da Silva Rosa, no seu livro “Portugal
e o segredo de Colombo”, lança novas luzes sobre este empolgante tema…
“… O
‘descobridor da América’ pode bem ter sido o melhor agente duplo da história,
porque conseguiu manter o seu segredo por mais de cinco séculos. Na verdade, o
homem que conhecemos como Cristóvão Colombo partiu de Portugal para Espanha,
numa missão ao serviço do Rei D. João II, com o objectivo de enganar os Reis
Católicos e proteger o monopólio do comércio marítimo português..." – in
Manuel da Silva Rosa, “Portugal e o segredo de Colombo”
Fomos,
assim, prestar o devido “tributo” a Medina Sidónia. Quanto à povoação,
interessante sem dúvida. Mas apenas isso. Percebe-se que a maioria das pessoas
que faz a “Rota dos Pueblos Blancos” lhe passe ao lado… Quanto ao jovem
colaborador do Turismo de Andalucía, que, junto à igreja de Santa Maria la
Coronada, não conseguia comunicar com uns turistas franceses… Nem em francês,
nem em inglês…, nem mesmo em espanhol, pois tinha uma pronúncia andaluza
“cerrada”! Pois… Digamos que há muito espaço para melhoria no domínio de
línguas estrangeiras, do lado de lá da fronteira! O que vale, é que andavam por
ali uns portugueses…
Fotos: Medina Sidónia.
Seguimos
para Arcos de la Frontera, provavelmente, o maior e mais bonito de todos os
“Pueblos Blancos”. Embora o nosso coração tenha ficado com Vejer de la
Frontera… Aqui residem, hoje, cerca de trinta e uma mil pessoas. Alcandorada no
topo de uma montanha, com muitas casas a desafiar o abismo, tem uma visão a
360º sobre as planícies e montanhas em redor. Também com registos de ocupação
humana desde os tempos pré-históricos, foi a Arcensium dos Romanos e a Arkos
dos Árabes, tendo sido reconquistada pelos Cristãos em 1255.
Vale a pena
começar por uma visita ao Posto de Turismo, na Calle Cuesta de Belén, para
apreciar a maquete de Arcos de la Frontera. Ficamos com uma melhor percepção do
impressionante posicionamento estratégico da povoação. No cimo, a
Plaza del Cabildo é um dos pontos imperdíveis da povoação. Pelas vistas soberbas
do seu miradouro (o Balcón de la Peña Nueva), mas também pelo Parador Nacional
e pela Basílica de Santa Maria de la Assunción, em estilo gótico.
Observámos
nesta praça uma intervenção absolutamente admirável da polícia local. Um grupo
de turistas estrangeiros, de mota, atroava os ares com o seu mais pesado
vernáculo (já os tínhamos ouvido antes, a caminho da Plaza del Cabildo) e
berravam aos quatro ventos pela saída. Queriam sair dali rapidamente! Os
agentes da autoridade, com toda a calma e simpatia, perguntavam-lhes se já
tinham visitado a povoação… Não! E só queriam ir embora! Pois os ditos agentes,
não só lhes arranjaram espaço para que estacionassem as motas, como destacaram
um elemento, graduado, que lhes serviu de cicerone numa volta rápida pelos
pontos mais interessantes de Vejer de la Frontera! Cruzamo-nos com o grupo
diversas vezes, no nosso próprio deambular pela zona. Claro que, tirando um ou
outro elemento que seguiam atentamente as explicações do polícia, os restantes
alavancavam na diferença da língua e continuavam com um linguajar de fazer
corar as paredes da mais ordinária taberna. Os ditos turistas eram portugueses…
Vergonha!






















Fotos: Arcos de la Frontera.
Rumamos depois
ao Parque Natural de la Sierra de Grazalema e a El Bosque, a povoação de
entrada no parque. Demandávamos o seu Centro de Visitantes. Pois… Estava
fechado.
Para quem
for amante de uma bela truta, El Bosque tem os viveiros de trutas mais a Sul da
Europa… Mas já tínhamos almoçado em Arcos de la Frontera.
Declarado
reserva da biosfera em 1977, o Parque Natural da Sierra de Grazalema inclui
várias serras que se inserem na Cordilheira Sub-Bética. Nele nidificam várias
colónias de abutres, com especial destaque para o “abutre leonado” (gyps fulvus), como aqui lhe chamam.
Parece que também têm sido registados alguns casais de “abutres do Egipto” (neophron percnopterus).
Demos uma
volta rápida por El Bosque, uma daquelas cidades que o são essencialmente por razões
históricas… Tem cerca de dois mil habitantes, apenas. Seguimos para Ubrique e,
daí, para Benaocaz, Villaluenga del Rosario e Grazalema.
Ubrique, no
sopé da montanha, é uma cidade mais virada para a indústria (essencialmente
“marroquinaria”) do que para o turismo. Muito provavelmente, as melhores vistas
da povoação conseguem a partir do Mirador de las Cumbres.
Passamos
Benaocaz sem nos determos e, um pouco mais à frente, no Mirador del Cintillo y
Aguas Nuevas fomos surpreendidos por dezenas de abutres em voo. O jeito que um
bom zoom não me tinha dado! Ficamo-nos pela contemplação…, e deixamos para uma
altura do ano menos quente a incursão pela “calçada romana” que, à época, unia
Carteia (entre Algeciras e Gibraltar) a Acinipo (hoje, Ronda la Vieja). “Calçada
romana”, que muitos atribuem aos fenícios… e outros até, a povos anteriores à
presença fenícia…
Fotos: Mirador de Cintillo y Aguas Nuevas.
Em
Villaluenga del Rosario conseguimos resistir à tentação de nos abastecermos de
“Queso Payoyo”. Da próxima vez temos de levar a mala térmica eléctrica!
Fotos: Villaluenga del Rosario.
Grazalema
está considerada como uma das mais bonitas, pitorescas e bem cuidadas povoações
dos “Pueblos Blancos”. Com cerca de dois mil habitantes, as suas origens são
anteriores à presença romana (que a baptizaram de Lacidulia). Ocupada pelos Árabes
(e renomeada para Raisa lami Suli) em 715, foi definitivamente reconquistada
pelos Cristãos em 1485. A par de El Bosque, a povoação de Grazalema bate recordes
de pluviosidade em toda a Espanha!
Saímos de
Grazalema para o Mirador del Puerto del Boyar e, de seguida, para o Mirador de
las Palomas. Este último será, provavelmente, o miradouro com as melhores
vistas de toda a zona do parque natural.
Foto: Mirador del Puerto del Boyar.
Fotos: Mirador de las Palomas.
Já próximo
de Zahara de la Sierra, no Mirador del Puerto de los Acebuches, cruzámo-nos com
uma auto-caravana de matrícula portuguesa. Claro, toca a parar para dois dedos
de conversa. Uma família de brasileiros, com um miúdo de dez anos, que, numa
boa gestão de férias e geralmente de auto-caravana, já tinham andado pelos
continentes americano e africano (aí, com uma versão “4x4”). Agora, estavam a
visitar a Península Ibérica. O único problema com que se estavam a deparar era
com as estradas mais estreitas e sinuosas… e com as povoações onde, sem
qualquer sinalização a alertar, não conseguiam passar com o veículo. Já tinham
apanhado alguns sustos! Demos-lhes as indicações possíveis, pois o trajecto que
tinham em mente (e por onde já tínhamos passado) não ia ser “pêra doce” para
uma auto-caravana daquelas dimensões.
Fotos: Mirador del Puerto de los Acebuches.
Zahara de
la Sierra tem apenas mil e quinhentos habitantes, mas, situada maioritariamente
no alto de um penhasco e debruçada sobre a barragem de Zahara-el Gastor, acaba
por ser uma das mais espectaculares povoações da zona dos “Pueblos Blancos”. Foi
declarada Património da Humanidade pela UNESCO, em 1977.
A sua localização
privilegiada, a meio da rota entre Sevilha e Granada, deu-lhe alguma
importância no seu passado Árabe. Foi reconquistada definitivamente pelos Cristãos
em 1485. Tudo relativamente próximo, como é timbre destes pequenos povoados, a
igreja de Santa Maria de la Mesa (do século XVII), a capela de São João de
Latrão (do século XVI), a Torre do Relógio e a Ponte dos Palominos (de origens
Romanas), valem a caminhada. Do castelo Árabe e da sua torre de menagem, restam
algumas ruínas, visitáveis.
Fotos: Zahara de la Sierra.
Deixámos
Zahara de la Sierra pelo coroamento da barragem, atravessámos a algo
descaracterizada Algodonales e seguimos para Olvera e para o Santuario de
Nuestra Señora de los Remedios.
Povoação já
de alguma dimensão, para os padrões locais, Olvera conta com quase nove mil
habitantes. Atribuem-se-lhe origens Celtas, num castro apelidado de Caricus,
mas não existe consenso entre os historiadores. Dito isto, passou pelas mãos de
Romanos (com o nome de Ilipa) e Árabes (com o nome de Wubira), tendo sido
reconquistada definitivamente pelos Cristãos em 1327.
O castelo e
a igreja de Nuestra Señora de la Encarnación, dominam o topo do povoado.
Consegue-se chegar lá de carro, mas não há onde estacionar. As melhores vistas
sobre Olvera conseguem-se, “do outro lado dos montes”, no Santuario de Nuestra
Señora de los Remedios. Olvera foi declarada como “Protected Area of Artistic
and Historical Importance” em 1983.
Foto: Olvera - Santuario de Nuestra Señora de los Remedios.
Fotos: Olvera.
Já no
caminho para Ronda, não podíamos deixar de deambular por Setenil de las Bodegas
e apreciar as casas construídas nas falésias abertas pelo rio Guadalporcún. Se
os tais “irredutíveis gauleses” tinham receio de que o céu lhes caísse em cima
da cabeça…, aqui o receio é de que a falésia no caia em cima! Um receio permanente!
De qualquer
das formas, este tipo de construção com o aproveitamento da falésia é bastante
prática (e, até, comum em muitas zonas do globo). Ao invés de construírem uma
habitação completa, basta construírem as fachadas e as divisões interna. Por
outro lado, a falésia acaba por servir de regulador térmico natural, mantendo
as habitações quentes no Inverno e frescas no Verão. Hoje com menos de quatro
mil habitantes, supõe-se que a ocupação humana destas falésias remonte ao
Paleolítico, tendo por aqui assentado arraiais quase todos os povos que ocuparam
a Península Ibérica. A reconquista Cristã definitiva ocorreu em 1484, após sete
cercos falhados. Aliás, ao que consta, o nome Setenil deriva da expressão em
Latim “septem nihil” (sete vezes
nada). Do castelo Árabe, resta a Torre de Menagem.
Quem hoje
deambula pela povoação dificilmente imagina que, no século XVI, tinha direitos
comerciais ao nível dos de Sevilha! Mais… O atlas das mais importantes cidades
da Europa, publicado em 1564 por Joris Hoefnagel, tinha uma ilustração de
Setenil!
Fotos: Setenil de las Bodegas.
Com estas
elucubrações sobre a “Ascensão e queda das grandes potências”, neste caso,
apenas cidades…, deixámos os “Pueblos Blancos” e dirigimo-nos a Ronda.
É sempre um
prazer revisitar Ronda! Ainda para mais quando somos recebidos com uma exposição da Porsche, junto à Plaza de Toros! Ok! Uma exposição da Lamborghini seria mais adequada...
As origens
de Ronda perdem-se nos tempos do Neolítico. A sua localização tornou-a numa
praça quase inexpugnável. Os povos Celtas andaram por aqui também e construíram
um povoado a que chamaram Arunda. Os Fenícios assentaram arraiais aqui próximo,
em Acinipo, hoje Ronda la Vieja. Posteriormente, quer Gregos, quer Romanos,
quer Visigodos, quer Árabes, também por aqui se estabeleceram. A reconquista
Cristã definitiva ocorreu em 1485. Tal como na generalidade dos “Pueblos
Blancos” que visitamos anteriormente, também aqui, em Ronda, as invasões das
tropas de Napoleão causaram grande destruição e sofrimento.
Situada no
alto das gargantas escavadas pelo rio Guadalevín e rodeada de montanhas, Ronda
é uma daquelas inspiradoras “povoações de postal ilustrado”, que dá gosto
conhecer. A garganta El Tajo é uma das imagens mais conhecidas da povoação.
O poeta
alemão Rainer Maria Rilke, que aqui passou longos períodos da sua vida,
escreveu sobre Ronda…
“… He buscado por todas partes la ciudad soñada, y al fin la he encontrado
en Ronda (…) no hay nada más inesperado en España que esta ciudad salvaje y
montañera…” - Rainer Maria Rilke
Era capaz
de ter toda a razão! Ernest Hemingway e Orson Welles estão entre os nomes
famosos que também se encantaram com Ronda (estamos em boa companhia,
portanto!) e escreveram sobre as suas belezas e, claro, sobre as suas tradições
na Arte Tauromáquica.
Ronda é
considerada o berço da tauromaquia na Península Ibérica. A Plaza de Toros,
inaugurada em 1785, é uma das mais antigas de Espanha. Tourear em Ronda é sonho
de todos os toureiros e em Setembro, milhares de aficionados reúnem-se aqui
para a Corrida Goyesca, uma tourada histórica e única no mundo. Ficou célebre,
no mundo da alta-costura, o “Traje de Luces” que Giorgio Armani produziu para o
toureiro Cayetano Rivera Ordóñez, quando da Corrida Goyesca de 2009.
Toda a
cidade encanta e, mesmo que numa visita rápida, locais como o “casco antiguo”,
a Plaza de Toros, o Puente Nuevo e El Tajo, são imperdíveis.
Fotos: Ronda.
Deixamos
Ronda ao final da tarde e rumamos a Ardales, mais propriamente ao Embalse Conde
de Guadalhorce, que foi a nossa base para a visita ao Camiñito del Rey.
O Camiñito
del Rey é um itinerário de grande beleza ao longo do desfiladeiro dos Gaitanes (este, criado pelo mar há milhões de anos atrás).
De per se, tem apena 2,9 km. Mas o
trajecto total estende-se por 7,7 km, que incluem os 2,7 km do acesso Norte
(início do percurso) e os 2,1 km do acesso Sul (saída). O índice de dificuldade
é médio. Diríamos até, que é fácil.
Com a
industrialização da zona de Málaga, no início do século XX, procurou-se
aproveitar o desnível do desfiladeiro dos Gaitanes para a produção de
electricidade. Para permitir a manutenção de todo o sistema de canais,
construiu-se um passadiço ancorado nas rochas. Em 1953 este caminho foi
baptizado de Camiñito del Rey, em honra da visita do Rei D. Alfonso XIII,
ocorrida em 1921.
Sem manutenção
durante décadas, o caminho deteriorou-se e foi mesmo interdito no ano 2000.
Registaram-se algumas mortes de aventureiros que tentaram percorrê-lo sem as
mínimas condições de segurança. Em 2015, após profundos trabalhos de restauro,
o Camiñito del Rey reabriu ao público. O número de
visitantes diários é limitado, por questões de segurança, mas tínhamos
reservado uma visita guiada com bastante antecedência.
Havíamos
lido, algures, referências a um túnel de umas centenas de metros, não
iluminado, que encurtava o trajecto inicial do acesso Norte, dos 2,7 km
oficiais para apenas 1,5 km… Ao jantar, tentámos saber onde era esse tal túnel
mas, aparentemente, ninguém nos sabia dizer. Falavam-nos apenas de outro túnel,
bastante largo e pouco comprido, que acabava por servir de armazém e garagem a
um restaurante local…
Só que a
Maria José lembrava-se de ter visto, do lado dela da estrada, um “buraco” com
uma placa a indicar 1,5 km para o Camiñito del Rey.
Pois, nem
era tarde nem era cedo, saímos do restaurante e, sempre controlando o tempo,
seguimos a pé pelo coroamento da barragem, passámos de novo junto ao monumento
evocativo da assinatura (pelo Rei D. Alfonso XIII) do contrato de construção de
todo o complexo hidroeléctrico, passámos o “túnel / armazém / garagem” e
seguimos estrada acima… Até encontrarmos a entrada do tal túnel, por volta das
dez da noite! Como trago sempre uma pequena lanterna e o “buraco” até nem tinha
mau aspecto, resolvemos averiguar. À parte alguma (bastante!) poeira no ar e
uns quantos morcegos retardatários na sua saída para a “noite”, o túnel estava
impecável e fazia-se bem. Do outro lado, a continuação do caminho do acesso
Norte. Missão cumprida! Regressámos ao hotel.
Fotos: Embalce Conde de Guadalhorce e o "túnel secreto", explorado depois do jantar.
No dia
seguinte, de manhã cedo e após um bom pequeno-almoço, enquanto a generalidade dos “aventureiros” seguia que
nem setas direitinha ao trajecto oficial do acesso Norte (o tal dos 2,7 km),
nós seguimos tranquilamente rumo ao túnel… Só três pessoas abandonaram o
“pelotão” vieram atrás de nós. Devíamos ter ar de quem sabia para onde ia…
O trajecto
global pode ser dividido em diversas etapas, todas elas de grande beleza:
- O acesso Norte, até ao posto de controlo
de bilhetes e entrega de capacetes e rádios, em caminho de terra;
- A primeira parte do desfiladeiro
de Gaitanes, em passadiços ancorados na rocha;
- A zona do bosque, a fazer lembrar
algumas áreas dos Pirinéus, também em caminho de terra;
- A segunda parte do desfiladeiro de
Gaitanes, em passadiços ancorados na rocha;
- O acesso Sul, até ao posto de
recolha dos capacetes (os rádios foram recolhidos no final do troço anterior),
em caminho de terra.
Sem margem
para dúvidas, as primeira e segunda partes do desfiladeiro de Gaitanes foram as
mais interessantes de todo o passeio. Uma visita guiada, com um bom guia,
também fez a diferença. Pelo enquadramento, informação, história e pelas
histórias e boa disposição… Cinco estrelas! E "resmas" de fotografias e vídeos!
No acesso
Sul, em El Chorro, o serviço de autocarros levou-nos de regresso até ao início
do acesso Norte.
Retemperamos
as forças no restaurante, onde até havia um brasileiro, fugido do terror
económico dos tempos de Lula e Dilma, que nos interpelou para dois dedos de conversa. Era raro ouvir falar
português por ali!
Fotos: Camiñito del Rey.
Deixámos a
zona do Camiñito del Rey e voltámos a descer o desfiladeiro, agora por estrada
e já com o “Pantera Negra”, rumo à vibrante cidade de Málaga; terra natal do
pintor Pablo Picasso.
Hoje com
seiscentos mil habitantes, há registos de ter sido um assentamento grego na
Antiguidade Clássica. A sua fundação oficial é atribuída aos Fenícios no século
XII A.C. Depois… Bem, depois vieram “os do costume”… Romanos, Árabes,
Visigodos… E, em 1487, chegou a reconquista Cristã.
Como muitas
cidades espanholas da actualidade, após períodos de significativo declínio,
Málaga soube reinventar-se e apresentar-se, hoje, ao mundo, como uma cidade
atractiva, bela, pujante de vida, economicamente próspera e onde o legado
histórico é inteligentemente preservado e desfrutado.
Depois de
muito deambularmos por Málaga, não podíamos perder um bom espectáculo de
Flamenco! Recomendaram-nos um “Tablao Flamenco” famoso, onde o próprio Pablo
Picasso costumava, à época, dar um ar de sua graça (imaginamos que tenha “dado
um ar de sua graça” em todos quantos existiam e não existiam!). Gerido por uma
família cigana desde há quase meio século, oferecia o habitual espectáculo de
dança, cantares e guitarra… Tudo acompanhado da boa gastronomia andaluza. Como
já tínhamos jantado, ficámo-nos por “una copa”. Um dos personagens, de origem
africana, chamava desde logo a atenção pela excentricidade das suas vestes… Um
fato de tecido a fazer lembrar as “capolanas” africanas, com o indispensável
xaile de renda por cima! No final da sua exibição (o moço dançava bem!), como
corolário da sua total entrega à dança flamenca, pega de rompante numa menina
que ainda não deveria ter um ano (provavelmente sua filha) e levanta-a nos
braços, exibindo-a ao público, qual Rafiki mostrando Simba aos habitantes das
Pride Lands! Tal como no filme, o público aplaudia em êxtase! Porque é que
nestes sítios é sempre proibido filmar e fotografar?!...
Fotos: Málaga.
(Última imagem, fonte: http://www.Disney.com)
Ainda nos
restava uma semana de férias, que tínhamos destinado mais à vertente do dolce fare niente. Assim, ao início da
tarde, rumámos a Vilamoura.
De caminho,
e de improviso, fizemos um desvio para visitarmos o Conjunto Arqueológico dos
Dólmens de Antequera, incluído na lista de Património da Humanidade, da UNESCO.
Este conjunto
engloba três monumentos “culturais” (Dólmen de Menga, Dólmen de Viera e Dólmen
de El Romeral) e dois “naturais” (o pico da Peña de los Enamorados e o conjunto
montanhoso de El Torcal), todos próximo da cidade de Antequera.
Atravessámos
a cidade e dirigimo-nos para os Dólmens de Vieira e de Menga (o maior da
Europa), datados do Neolítico. Falhámos o Dólmen de El Romeral, que
desconhecíamos… O tais “improvisos”, às vezes, dão nisto.
Estas
câmaras, supostamente funerárias, estão entre as maiores e mais completas
estruturas megalíticas da Europa. No Dólmen de Menga, de que não há certezas
quanto à sua função, um poço descoberto há uns anos, tem-se revelado
sucessivamente mais profundo do que o esperado. As escavações prosseguem. Ainda
hoje é um mistério como tudo foi construído, com lages de toneladas (a maior
tem 180 Toneladas, 4,5 vezes mais pesada que a maior pedra de Stonehenge)! Como
noutras construções do género por esse mundo fora, existe um alinhamento
perfeito com a luz do Sol nascente no solstício de Verão. Os raios de luz
passam sobre o pico da Peña de los Enamorados e entram pelo corredor até ao
fundo da sala do Dólmen de Menga... È, também (juntamente com o Dólmen de El
Romeral) o único caso conhecido na Europa em que este alinhamento coincide com
uma marca paisagística (o pico da Peña de los Enamorados).
Na entrada
do recinto, achamos muito interessante o Centro Solar Michael Hoskin (em honra
do arqueo-astrónomo homónimo, da Universidade de Cambridge). Uma excelente
ideia para outros locais de características similares, nomeadamente em
Portugal.
Fotos: Conjunto arqueológico dos Dólmens de Antequera.
Com mais uma
boa lição de pré-história no curriculum,
seguimos então para Oeste, para o tal dolce
fare niente!
Luís de Matos
(Agosto de 2019)