sábado, 31 de agosto de 2013

“Música no Coração", ou uma 'Valsa' pelos Alpes e arredores...





Texto:  Luís de Matos
Fotos: Luís de Matos e participantes nesta viagem

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 Foto: Trajecto.





Quando perguntamos a algum viajante o motivo de ter empreendido esta ou aquela viagem…, percebemos que, na generalidade dos casos, foi apenas… porque "Sim!". Porque gosta de viajar, de aprender, de ver coisas novas, de conhecer, de contactar com gentes e culturas, etc., etc…, e, porque um dia…, a propósito disto ou daquilo…, se lembrou de lá ir!

Estávamos a revisitar o filme “Música no coração”, quando alguém lança um…

- E que tal, irmos conhecer os Alpes?!
                                               
E pronto! Estava dado o mote! Como uma boa parte do prazer de uma viagem está, também, no seu planeamento, lançámo-nos então a preparar um primeiro breve roteiro pelos Alpes franceses, suíços, italianos e austríacos… Guias e mapas para um lado… Internet e sugestões de amigos para o outro (e não podemos aqui esquecer os tópicos sugeridos pelo Alexandre Correia, pelo Carlos Lages e por outros amigos e conhecidos)… e  lá se conseguiu esboçar um primeiro plano de viagem, sujeito, como sempre, a todos os "actos de improviso" que a realidade viesse a determinar localmente!                                                                       

Depois… Bem! Depois, veio o sobejamente conhecido e incontornável… "já que"…                                                                                                                  
- … "Já que" estamos nos Alpes austríacos…, porque não visitar Salzburgo e Viena de Áustria...?
- … "Já que" estamos em Viena de Áustria..., porque não visitar Bratislava, que fica a uns meros setenta quilómetros… e Budapeste, que fica a umas escassas duas centenas de quilómetros…?
- … "Já que" temos de regressar…, um dia em Veneza seria também incontornável…!
- … "Já que" …

O resultado, já se vê, traduziu-se num plano para uma viagem bem maior e mais enriquecedora do que o inicialmente previsto. Procurou-se, também, como de costume, fazer um equilíbrio entre as etapas de ligação (aquelas coisas, mais a "devorar quilómetros") e os dias de visita mais local. Em certas zonas conseguiríamos também seguir alguns caminhos não asfaltados, de imperdível beleza... Especial destaque para a projectada subida aos 3.005 metros de altitude do Col du Sommeiller (que carecia de confirmação com as autoridades locais face ao estado e transitabilidade do trilho e que acabámos por não realizar!). Uma vez mais, uma daquelas viagens de carro, de que tanto gostamos, um pouco “à moda antiga”. Para os mais novos então, uma “aula contínua” embebida em passeio e diversão. Um género de “três em um”… com as habituais recomendações. Protector solar e repelente de insectos q.b.!!! Sem falar nas "botifarras" de caminhada, óculos escuros, chapéus, gorros, luvas e demais abafos para a neve! Mais os "desabafos" para as zonas quentes do Sul… e alguma coisa "chique" para a noite, nas cidades... Europa central, em finais de Julho… Temperaturas diurnas na casa dos quarenta e tais graus centígrados! Nada a fazer, quanto a isso. Aguentar, hidratar e desfrutar!





 Fotos: Getting ready!.

Foram três curtas semanas em que, com amigos de longa data, percorrermos cerca de oito mil quilómetros, num misto de natureza, montanhas, paisagens deslumbrantes, história, ciências (até visitámos o CERN!) e cidades que ditaram o rumo da civilização ocidental e não só, acrescentando também e comme d’habitude, uma vertente mais cultural ao passeio.

Fizemos de Abrantes o ponto de partida e chegada da viagem. De manhã cedo, fizémo-nos à estrada, ao A23 mais propriamente. Ia ser um dia de “ligação” duro, com cerca de um milhar de quilómetros em que atravessaríamos parte de Portugal, Espanha (com a já habitual paragem em Burgos por volta da hora de almoço) e a pernoita já em terras gaulesas. Tirando partido de uma melhor velocidade de cruzeiro do seu veículo, os nossos amigos aproveitaram para desfrutar um pouco mais de Burgos e, mais à frente, de Biarritz.





 Fotos: Burgos, uma paragem já habitual.

Ficámos em Pau nessa noite, uma vez que a ideia inicial de ficarmos em Lourdes teve de ser abandonada. Devido às Peregrinações ao Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, os hotéis, mesmo com meses de antecedência, estavam todos sem reservas disponíveis!

O segundo dia também foi de ligação, mas mais suave, com uma boa parte dele investido numa gratificante visita a Carcassonne. Quando aqui tínhamos passado, em 2009, apenas apreciámos a cidade a partir de um miradouro exterior, junto à auto-estrada. Desta vez alocámos tempo para uma visita mais demorada, mas sempre insuficiente. Carcassonne pede uns dias para ser plenamente desfrutada! A cidadela de Carcassonne, “carregada” de história, é uma obra única de restauro e reabilitação, realizada no século XIX pelo engenheiro Eugène Viollet-le-Duc e que faz hoje parte (desde 1997) da lista do Património Mundial da UNESCO. Estávamos no 14 de Julho, o “Dia Nacional de França”. E se, devido aos desfiles e comemorações oficiais, a entrada em Carcassonne não foi fácil e até nos fez perder algum tempo…, a saída conseguiu ser feita just in time antes de voltarem a encerrar ruas e estradas para os festejos do final do dia. Tivemos pena de não podermos ficar para a noite e assistir ao espectáculo de fogo-de-artifício que, pelos preparativos que vimos e pelo que nos contavam os nativos sobre edições passadas, deverá ter sido absolutamente fabuloso! Fica a “nota” para uma próxima vez!






Fotos: Carcassonne.

Mas nesse dia já íamos pernoitar em Grenoble, às portas dos tão almejados Alpes. Ainda não foi desta que percorremos o viaduto do Millau, já que isso implicava um desvio incomportável para os planos do dia… Fica para a próxima, de novo!

Como já tínhamos estado em Nîmes, seguimos directo naquele registo de velocidade tão característico do “Pantera Negra”. Os nossos amigos fizeram um pequeno desvio pela cidade e levaram também a nossa filha. Nîmes, entre a Provença e o Languedoc, é uma cidade que respira história, onde o coliseu de Nîmes, é o mais bem preservado anfiteatro da era romana. Também a “Maison Carrée” é, provavelmente, o único templo romano completamente preservado em todo o mundo. Para os “nuestros hermanos”, Nîmes é também a mais espanhola das cidades do sul de França, com bares de tapas, touradas e jantares até tarde na noite...

O trajecto até Grenoble, apesar de sempre por auto-estrada para ganhar algum tempo, é agradável e variado, com uma nota de destaque no trajecto pela Provença, com as suas cores, os seus campos de alfazema… e os seus aromas! Uma das vantagens de viajar de “jipe” em auto-estradas está, precisamente, em seguirmos sentados em poltronas de observação mais altas, que nos permitem apreciar as paisagens por cima dos outros veículos (ligeiros, claro!), dos rails de protecção e das guardas das pontes e viadutos. E sim, nas zonas dos campos de alfazema, até reduzimos a velocidade e abrimos as janelas… Divinal! Só não deu para… parar na auto-estrada e desatar a tirar fotografias!

Em Grenoble confrontámo-nos uma vez mais com alguma falta de “literacia” no uso da fita métrica que já encontramos em alguns hotéis por essa Europa fora…

Desde os tempos da viagem aos confins de Marrocos, em 2008, que o “Pantera Negra” ganhou uma grade de tejadilho da ARB. Uma daquelas coisas robustas, como só os australianos sabem fazer, destinadas a aguentarem o que for necessário, que até lhe fica bastante bem…, mas que sobe a altura do conjunto para quase 1,95 m… Por uma questão de precaução, escolho sempre parques e hotéis em que a altura da garagem seja de, no mínimo, 2,00 metros…

Pois… Entramos no elevador de acesso de viaturas à garagem do hotel e, naturalmente, tudo bem. Saímos do dito elevador, seguimos para a garagem e… veículo “preso” debaixo de uma viga! Para trás já não se conseguia sair, por causa do rebordo da carenagem frontal da grade… Só para a frente é que podíamos seguir… com o topo da grade a raspar o isolamento de lã de rocha da viga. “Arraial montado”! Ninguém podia entrar ou sair da garagem!

Os estragos foram mais no revestimento da viga, do que na grade, que apenas ficou com umas esfoladelas. Aquilo é mesmo robusto! Só que a robustez tem um peso… e são aconselháveis três ou quatro pares de fortes braços para a tirar / colocar no tejadilho. Esperámos pela chegada de um recepcionista (acho que tinha mais força sozinho do que eu e a minha mulher juntos!), retirámos a grade e arrumámo-la a um canto…, estacionámos o “Pantera Negra” e fomos esperar os nossos amigos, para fazermos as devidas honras a uns belos mexilhões, coisa afamada lá no burgo.

Com os atrasos do tema da grade, acabámos por encurtar a voltinha por Grenoble, na confluência dos rios Drac e Isère e, como o teleférico panorâmico que parte do Quai Stéphane-Jay estava fechado, também não subimos ao Fort de La Bastille (que tem as melhores vistas sobre a cidade!). Mas iríamos ter a nossa justa dose de teleféricos nos dias seguintes.

Manhã cedo, grade de novo no tejadilho, e aí vamos nós a caminho dos Alpes!




Fotos: Vulmix.

Entrávamos verdadeiramente no ritmo de passeio. Parar aqui e ali, ver isto e aquilo, perguntar informações mais detalhadas aos nativos, fotografar tudo! Várias vezes!

Antes de Bourg Saint-Maurice, desviámos para Vulmix, para visitar a capela e o seu notável conjunto de pinturas murais, datadas de 1460 e atribuídas a Giacomo d'Ivrea… Ficámo-nos pelas imagens que vimos nos guias de viagem e na Internet, pois se encontrámos a dita capela (e não foi à primeira!), a senhora que guardava a chave e facultava as visitas, não estava nesse dia lá na terra.

Também deixámos cair a visita às ruínas do Fort de la Rédoute Ruineé, no que seria a primeira incursão desta viagem por caminhos não asfaltados, em montanha. Informaram-nos de que os acessos haviam sido bloqueados pelas autoridades “ambientalistas”… É sempre de lamentar este fundamentalismo no acesso a determinados sítios. Seria muito mais proveitoso que os acessos fossem controlados, restringidos, portajados até, mas que se mantivessem condições de visita.





Fotos: Sainte Foy-Tarentaise.

Seguimos pois de volta a Bourg Saint-Maurice e, daí, para Séez e Sainte Foy-Tarentaise, donde fizemos um desvio para Villaroger, para o Planay de Villaroger e ainda para a aldeia típica de Gurraz, antes de regressarmos à estrada do Val d’Isère. Estávamos em plena Reserve Naturelle de la Forêt de Ronaz, com vistas para o Mont Blanc, para o Glacier de l’Invernet, para a Reserve Naturelle de la Grande Sassière, numa sucessão ininterrupta de povoações de grande beleza e de paisagens de “cortar a respiração”. O mote estava dado… Nos próximos dias a adjectivação ia focar-se nos superlativos!




Fotos: Villaroger.










Fotos: La Gurraz.


Estabelecemos a nossa primeira base alpina em Tignes.

A povoação de Tignes, original, está um pouco como a nossa Vilarinho das Furnas… debaixo de água. Em 1952, a construção de uma barragem no rio Isère submergiu a antiga povoação, que foi reconstruída cinco anos depois, um pouco mais acima, à quota de 2.100 metros. Hoje integra, juntamente com o Val d’Isère, uma das mais conhecidas zonas de ski da Europa (e a maior de França), o Espace Killy, em honra do triplo campeão olímpico Jean-Claude Killy, natural de Val d’Isère.



















Fotos: Tignes.

Não podíamos, estando aqui, deixar de visitar o Glacier de la Grande Motte que desce dos 3.656 metros. A partir de Tignes-Le-Lac seguimos para Val Clarett onde há um funicular que em cinco minutos nos leva até aos 3.032 metros do restaurante panorâmico, de onde se segue por teleférico até aos 3.430 metros do Glacier de la Grande Motte.

Não somos dados ao ski (ao contrário dos nossos amigos) e nunca antes tínhamos “pisado” um glaciar. É uma experiência diferente e, especialmente, para os mais novos, uma verdadeira aula ao vivo e a cores, sobre ciência, geografia, ambiente, clima…, natureza. Durante muito tempo, esta zona permitia manter pistas de ski abertas durante todo o ano. Contudo, o recuo do glaciar verificado nas últimas duas ou três décadas, levou a que as pistas passassem a encerrar algumas semanas por ano. Os cientistas apontam mesmo para a eventual separação do glaciar em dois, pela aforação de pontas rochosas que antes estavam cobertas de gelo. Passeios pelo glaciar apenas são permitidos com guias de montanha mas, mesmo assim, a área em que se pode andar livremente (delimitada por sinalização de perigo, “Crevasses!”) foi mais do que suficiente.

Apanhámos a última chamada para os teleféricos e para o funicular, que partilhámos com o pessoal das reparações de equipamentos em altitude, com os funcionários e… com os contentores do lixo… Iríamos repetir mais umas quantas vezes esta “prática” de sermos quase os últimos a deixar a montanha…























Fotos: Tignes - Glacier de la Grande Motte.

Uma das regras de ouro nas montanhas é que a meteorologia é… instável, muito instável mesmo! Portanto, quando o tempo está de feição, há que aproveitá-lo bem. Precisava mesmo de saber, in loco, como estavam as neves em altitude, para tentar manter ou deixar cair definitivamente um dos trajectos emblemáticos do dia seguinte…
















Fotos: Val d'Isère.

Seguimos pois para Val d’Isère e, daí, para os 2.770 metros do Col de l’Iseran, no maciço do Mont Cennis, e que integra o Parc Nacional de la Vanoise. Construída entre as duas guerras mundiais, a estrada do Col de l’Iseran é, no Verão, uma passagem mítica dos Alpes, enquanto que de Inverno faz parte do conjunto de zonas de ski do Val d'Isère, estando fechada ao trânsito automóvel. Esta é a segunda passagem asfaltada de montanha mais alta dos Alpes franceses, apenas sendo superada pelos 2.802 metros do Cime de la Bonette, ali próximo.

- “Mille millions de mille milliards de mille tonnèrres!” - apeteceu-me dizer para mim mesmo, baixinho!

Ainda havia bastante neve! Tentei disfarçar a desilusão… O grande objectivo do dia seguinte estava definitivamente fora de alcance.

Como quase todas as passagens de montanha da zona, muito se especula sobre se não teria sido utilizada por Aníbal Barca, “o maior dos generais”, na sua expedição militar sobre Roma (nas segundas Guerras Púnicas). Dizem, claro, que passou por aqui. Mas tudo indica que terá atravessado os Alpes com o seu exército (que incluía quarenta elefantes de guerra) na zona do Col du Mont Cennis, que também viríamos a atravessar no dia seguinte.




















Fotos: Val d'Isère - Col de L'Iseran.

Regressámos ao Val d’Isère, não sem antes fazermos um pequeno desvio por terra à zona do Lac de L’Ouillette. A 2.560 metros de altitude, o lago é um pequeno paraíso da pesca à truta. Mas mesmo a meio de Julho, os acessos ainda estavam rodeados pela neve… Algumas zonas do estradão de terra até deram para tirar uma ou outra fotografia a parecer uma perigosa picada de alta montanha! Para além das “caças fotográficas” às marmotas!














Fotos: Val d'Isère - Lac de L'Ouillette.

Quando há uns anos andámos pelo Alto Atlas, fizemos uma passagem de montanha a 2.930 metros. Desde então, sempre que nos cruzamos com a oportunidade de elevar a fasquia, tentamos a sorte… Sem sucesso, até ao momento! Bem próximo de “casa”, na Sierra Nevada, existe uma estrada que une as povoações de Capileira e Pradollano, passando próximo do pico Veleta. Essa estrada, panorâmica, atinge uma altitude de 3.380 metros. É a mais elevada da Europa. Acontece que, desde há uns anos, está vedada ao trânsito (bloquearam-na mesmo com pedras!). Hoje em dia apenas se consegue ir até aos 3.100 metros num veículo do parque (vale a pena!)… Já tentei obter permissão de acesso com o “Pantera Negra” na Embaixada de Espanha, na Junta de Andalucia, no Ayuntamento de Granada, na sede do Parque Natural, etc., mas sempre me foi negado. Nunca passei das cancelas do parque de estacionamento da Guardia Civil de Pradollano, que fica pouco acima dos 2.600 metros…

Com esta volta pelos Alpes, planeei portanto uma incursão ao ponto mais elevado da Europa Ocidental ainda acessível a veículos, o tal Col du Sommeiller, já na parte italiana. A partir da povoação de Rochemolles há um estradão de terra que segue até ao Rifugio Scarfiotti, continuando a partir daí por uma picada (só acessível a viaturas de tracção total) até aos 3.005 metros. Num ano normal, o acesso fica livre de neve a partir do meio de Julho… Mas este ano tinha nevado bastante e, se mesmo em altitudes abaixo dos 2.700 metros havia ainda bastante neve, o que seria daí para cima. Reconfirmei ao telefone com as autoridades de Bardonecchia (a esperança é a última a morrer!)… Só se conseguia chegar, com sorte e bons pneus, aos 2.700 metros. Nada feito! Frustração!

O final da tarde cumpriu-se assim a desfrutar da bela Val d’Isère, uma das jóias do ski alpino, que deslumbra pelo seu arranjo requintado e pelas paisagens. Essencialmente orientada para as actividades de Inverno, no Verão quase tudo está fechado. Desde 1984 e até há alguns anos realizava-se também no Val d’Isère, precisamente em Julho, o Salon International du Val d’Isère dedicado ao todo-o-terreno. Chegou a ser o maior e mais prestigiado certame do género realizado na Europa. Infelizmente já não se realiza, mas algumas entidades que contactei pretendem reedita-lo. Oxalá consigam! Vamos ver…

Hoje seria então o tal dia da mui ambicionada subida ao Col du Sommeiller. Como os acessos não estavam transitáveis, pudemos todos dormir mais umas boas duas horas e tal… Exacto! Nunca cheguei a dizer ao grupo que, caso os acessos estivessem desimpedidos, nos teríamos de levantar bem mais cedo…!

Voltámos a subir ao Col de l’Iseran e descemos a encosta Sul, no que fomos “escoltados” por dois magníficos Lotus Elise que por ali andavam em passeios de demonstração. Malta simpática, aquela. Só quase faltou a nossa filha “fazer-se” a umas fotos ao volante dos bólides! Seguimos (“andando, parando, fotografando e visitando”), para Bonneval-sur-Arc. Passámos a derivação para o Col du Mont Cenis, que visitaríamos no regresso, e seguimos directos para Modane, onde inflectimos para os 13 km do Tunnel du Fréjus, que nos deixou às portas de Bardonècchia, já do lado italiano.







Fotos: Descida para Bonneval-sur-Arc.










Fotos: Bonneval-sur-Arc.






Fotos: Lanslevillard.






Fotos: Rédoute Marie-Thérèse.



Oportunidade para comprar um mapa “militar” mais detalhado da zona, no Posto de Turismo local e aí vamos nós rumo ao Rifugio Scarfiotti, no caminho para o Col du Sommeiller!

Até Rochemolles a estrada, estreita, é alcatroada. A partir daí, segue-se por um magnífico estradão de terra que, com o piso seco, é perfeitamente acessível a qualquer veículo de tracção simples.

Algures, a meio caminho, não perdemos a oportunidade para trocar dois dedos de conversa com o “patriarca” de uma família de viajantes alemães (que não saíram da viatura!) que tinha adaptado um vetusto Volvo C304  6x6, ex-exército, aos confortos de uma auto-caravana todo-o-terreno. Também tinham tentado subir, mas só se conseguia ir até cerca dos 2.700 metros. Confirmámos esta informação com outros viajantes com que nos cruzámos no mesmo trajecto e, como também o dia já ia avançado (as tais duas horas e tal de sono matinal) e se perspectivava uma valente trovoada, optámos por minimizar os riscos e seguir apenas até à zona (espectacular!) do dito Rifugio Scarfiotti.












Fotos: Caminho para o Col du Sommeiller.



É curiosa e muito gratificante esta afinidade entre viajantes. Dois quaisquer veículos de matrícula “estranha” e ar de que “não são daqui” que se cruzem algures fora dos circuitos turísticos normais (“off-road”, entenda-se), param de imediato, as pessoas cumprimentam-se, trocam-se “dois dedos de conversa”, partilham-se experiências e informações importantes… como se fossem todos conhecidos de longa data!

Local fantástico este Rifugio Scarfiotti, um género de anfiteatro natural com várias cascatas (a fazerem-nos lembrar vagamente o Poço da Alagoinha, na Ilha das Flores, que também visitámos com os nossos amigos), a cerca de sete quilómetros do “tédio do asfalto”, mas ainda a quase uma vintena de exigentes quilómetros do tal Col du Sommeiller. Estacionámos ao lado de um Land Rover Defender, de um Land Rover Discovery e de um Range Rover dos novos, que pertenciam a um grupo de famílias checas que também andavam em viagem pelos Alpes, mas de uma forma mais radical, de tendas no tejadilho! Enquanto as crianças se divertiam, os adultos preparavam o jantar e, a menos que a pequena intempérie que se avizinhava lhes torpedeasse muito os planos, tudo indicava que iriam passar ali a noite. Tinham os veículos bem “kitados”! Achámos que os nossos Range Rover Classic e Volvo XC90 estacionavam em muito boa companhia.

Ficámos por ali, a disfrutar do local, da paisagem e de um bom cafezinho expresso da nossa “Handpresso Auto” recentemente adquirida! Uma pequena e robusta máquina de café de ligar à tomada de isqueiro, que utiliza pastilhas de café normalíssimas (e.g., Delta, Nicola) e que tira uns “expressos” maravilhosos. Ainda mais maravilhosos, quando estamos “no meio do nada”! Um “must” para qualquer viajante!















Fotos: Caminho para o Col du Sommeiller - Rifugio Scarfiotti.


A intempérie que se fazia anunciar à horas apanhou-nos já na estrada e não chegámos a sujar os pneus de lama. No regresso ao Val d’Isère seguimos para Susa e daí para o Col du Mont Cenis, a 2.081 metros. Como referi, por estas bandas quase toda a gente acha que o dito Aníbal e os seus paquidermes passou, precisamente, por ali... Exactamente no seu quintal! A verdade é que ninguém sabe ao certo qual o trajecto que o homem terá feito e, por via das dúvidas..., “calcorreámos” aquilo quase tudo (de certezinha que aqueles elefantes também passaram no Rifugio Scarfiotti!)...




Fotos: Zona do Col du Mont Cennis.

Mais uma passagem pelo Col de l’Iseran e eis-nos de novo em Tignes, a jantar no restaurante “do costume”, que até servia bem e barato e que, apesar de quase sempre bastante cheio, nos conseguia arranjar uma boa mesa para todos.

Uma viagem pelo Alpes franceses não ficaria completa sem uma visita demorada à Aiguille du Midi. Rumámos assim de regresso à zona de Sainte Foy-Tarentaise, onde desviámos para mais uma pitoresca e lindíssima estrada secundária de montanha a caminho do Col du Petit Saint Bernard, passando por Mirroir (onde não chegámos a ter oportunidade de experimentar as delícias do restaurante “Chez Merie”, que nos havia sido recomendado pelo Alexandre Correia, da Revista Todo-Terreno), Montvalezan, La Rosière, Panorama des Arcades, … e toda uma sucessão de lugarejos e miradouros de “cortar a respiração”!



Fotos: "Chez Merie"...

Os vestígios de um Cromeleque na zona, apontam para a utilização desta passagem desde os tempos do Neolítico. E sim, claro! Parece que o Aníbal também por aqui andou!










Fotos: Caminho para o Col du Petit Saint Bernard.




















Fotos: Col du Petit Saint Bernard.


Saímos do Col du Petit Saint Bernard, nos 2.188 metros, e descemos para o Valle d’Aosta em direcção a Courmayeur, de onde seguimos para Chamonix Mont-Blanc via Tunnel du Mont Blanc. Com quase 12 km de extensão e inaugurado em 1965, o ano em que eu nasci, este era um daqueles túneis europeus “emblemáticos” que ainda faltava no curriculum do Pantera Negra…

Logo após a saída do túnel, nos “éSSSes” a caminho de Chamonix Mont-Blanc, tem-se uma primeira e elucidativa visão do Glacier des Bossons que, em tempos não muito afastados, chegava até à cidade.






Fotos: Estrada para Chamonix Mont-Blanc.

Umas quantas nuvens ameaçavam vir a estragar a sessão fotográfica nas montanhas, pelo que apanhámos sem demora o teleférico para a Aiguille du Midi (3.842 metros). A viagem tem duas etapas. A primeira até à plataforma Plan de l'Aiguille (2.300 metros) e a segunda até à Aiguille du Midi, propriamente dita, atravessando antes o Glacier de Les Pelerins. A plataforma superior tem vários terraços e há um elevador interior que segue até aos 3.842 metros de onde se tem, num dia claro, uma vista majestosa sobre os principais cumes de mais de 4.000 metros de altitude, franceses, suíços e italianos, entre os quais o Matterhorn, o Monte Rosa, as Aiguilles de Chamonix, os Grandes Jorasses, a Aiguille Verte, as Les Drus, o Dôme du Goûter e, noblesse oblige, o próprio Mont Blanc no esplendor dos seus 4.810 metros. Como sempre nestes sítios, existem mesas de orientação que nos ajudam a situarmo-nos… Vimos quase todos, alguns no tal “jogo do rato e do gato” com as nuvens… Há também um restaurante (o “3842”), assim como um bar e cafetaria. São os segundos a maior altitude da Europa.

Este teleférico da Aiguille du Midi foi construído em 1955 e manteve durante duas décadas o título de teleférico mais alto do mundo. Ainda é considerado o teleférico de maior ascensão vertical, pois sobe dos 1.035 até aos 3.842 metros. Na verdade, os últimos metros são feitos por um elevador vertical, que sobe até ao terraço do topo da antena. Nada de correrias, pois já se aconselha alguma aclimatação à altitude e o doseamento dos esforços físicos… É que já estamos quase nos quatro mil metros!

Na plataforma superior apanha-se o teleférico panorâmico do Mont Blanc, que atravessa a cordilheira até Point Helbronner. São cerca de 5 km (+ 5 km de regresso) que levam mais de uma hora a percorrer. Para além do descanso e das paisagens ímpares, este teleférico panorâmico proporcionou-nos, a “miúdos” e a “graúdos”, mais uma autêntica aula de ciências e de observação dos glaciares. Sublime! Agradecemos ao staff que nos aconselhou a não perdermos demasiado tempo…

- Façam já o panorâmico, porque daqui a pouco vai estar tudo envolvido em nuvens!

O São Pedro voltou a ser nosso grande amigo e só após o passeio e após termos tirado “resmas” de fotografias, para todos os lados e em todos os miradouros, resolveu encerrar o espectáculo. Num ápice a Aiguille du Midi foi envolvida pelas nuvens, a visibilidade ficou reduzida a menos de um metro e a chuva e o vento chegaram fortes. Mas nesse momento já estávamos calmamente a cuidar do estômago na cafetaria do “3842” e, para variar, devemos ter sido dos últimos turistas a descer da montanha… juntamente com o staff, um ou outro contentor de “material”… e o pessoal das obras. Ao que nos disseram, no final do ano as obras em curso estariam concluídas e os turistas poderiam ter também a experiência de entrar numa gaiola de vidro… directamente sobre um precipício de mais de 1.000 metros! “Step into the void”!
























































































Fotos: Chamonix Mont-Blanc - Aiguille du Midi.

O final do dia foi destinado a absorver e desfrutar da simpática Chamonix Mont-Blanc, uma daquelas cidades onde, pelo menos nos dois meses mais quentes do ano…, por certo não nos importaríamos de viver e trabalhar. Claro que não faltaram as devidas e profundas análises às várias produções premiadas da “Brassérie du Mont Blanc”…





















Fotos: Chamonix Mont-Blanc.

Sempre que possível, achamos que não há nada como também acrescentar um pequeno “toque mais científico” às nossas viagens de férias… Neste caso, como até estávamos próximo, planeámos e reservámos com antecedência uma breve visita às instalações do “CERN - Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire”, em Genève.

Exposições, vídeos, experiências inter-activas e uma visita guiada por um dos físicos de partículas que lá trabalham! Calhou-nos um italiano para fazer as honras da casa. Algumas zonas, claro, não são visitáveis nem fotografáveis…, mas os postais dão uma pequena ideia daquela que é a maior máquina alguma vez construída pelo homem, o “LHC – Large Hadron Collider”, o maior e mais potente acelerador de partículas do mundo, situado a cem metros de profundidade, com um anel de 27 km de magnetos supercondutores e uma série de estruturas de aceleração para aumentar a energia das partículas ao longo do trajecto. Estávamos no meio de um mundo que lida com as reacções e as forças nucleares, um mundo desconhecido e…, difícil de entender, até para os supostamente mais doutos viajantes ali presentes!

Não deixou de ser fenomenal a explicação simples dada aos mais novos sobre o que ali se fazia, ou tentava fazer…
- “…Bem… Imaginemos que isto é um pouco como se, numa sala fechada, pegássemos em duas maçãs e as lançássemos a toda a velocidade uma contra a outra. Quando as maçãs chocam uma com a outra, transformam-se numa outra coisa, por exemplo numa melancia, e explodem, projectando pedaços de casca (dessa tal melancia) contra as paredes da sala. A única coisa que conseguimos ver são as marcas que esses bocados de casca deixam nas paredes e também sabemos que, no início, lançámos apenas duas maçãs, uma contra a outra… O nosso desafio, aqui, é tentarmos perceber o que é que se passou e como se passou. Tentarmos perceber porque é que aquelas marcas na parede não foram feitas por cascas de maçãs, mas sim por cascas de melancia. Tentarmos perceber como e porquê é que as maçãs se transformaram numa melancia e se, de facto, foi mesmo numa melancia que se transformaram!...

O “LHC” estava a ser preparado para a próxima grande experiência, daqui a dois anos…

Entretanto hoje, à chegada a Genève, o Pantera Negra passou a nobre marca dos 300.000 km de bons e fieis serviços!



































Fotos: Genève - CERN (As últimas quatro fotografias são digitalizações de merchandising do CERN).

Amanhã íamos visitar Zermatt e o Matterhorn, pelo que hoje, já íamos pernoitar algures lá próximo. Ainda assim, contornámos o Lac Léman pelo lado de Lausanne e Montreaux, o trajecto mais longo. Era mais uma das tais “etapas de ligação” que nos deixam sempre alguma pena por não termos os dias suficientes para disfrutar plenamente de todos os locais por onde passamos… Cruzámos Montreaux no momento em que a polícia começava a condicionar o trânsito, devido ao Festival de Jazz (ainda se conseguiu uma fotografia rápida ao Chatêau de Chillon) e chegámos a Visp, mais propriamente ao lugar de Unterbach, perdido no meio das montanhas, mesmo a tempo de pedirmos para não fecharem ainda a cozinha do hotel!










Fotos: Circundando o Lac Léman e "pit stop" em Montreaux.

Percebemos que os nomes das povoações na zona são muito parecidos (iguais?). Tínhamos o nosso Tom Tom muito bem parametrizado (e testado) e, comme d’habitude, vínhamos sempre a seguir os trajectos nos bons e velhos mapas de papel e a validá-los pelas indicações da sinalética rodoviária. “Navegação” à antiga… É que na zona, só hotéis familiares com o mesmo nome, existiam uns quatro ou cinco, alguns a dezenas de quilómetros… do outro lado dos “montes”!

Bem jantados, fomos até à festarola da terra que os donos do hotel nos tinham recomendado. O encanto das pequenas coisas, nos pequenos e mais isolados povoados, é transversal aos países e às culturas. Excelente final de noite! Demos o nosso melhor ar de “Kotas de Elevado Potencial” e, juntamente com as crianças, até dançámos (mal) as modinhas regionais que o agrupamento de “Kotas de Ainda Mais Elevado Potencial” não parava de tocar e cantar!

Devemos ter sido a notícia (boa) do dia lá na terra e até devem ter gostado de nós. No outro dia de manhã, antes de partirmos, os sempre simpatiquíssimos donos do hotel vieram oferecer-nos duas garrafinhas de vinho local como recordação!

















Fotos: Unterbach (Visp).

Seguimos até Täsch por mais um daqueles vales magníficos, que só as zonas montanhosas possuem, onde deixámos as viaturas e apanhámos o comboio de "cremalheira" para Zermatt, que está vedada ao tráfego automóvel particular, sendo servida internamente por uma rede de viaturas eléctricas, na sua grande maioria, ao serviço dos vários hotéis.







Fotos: Caminho para Zermatt.

Zermatt, nas faldas do Matterhorn, foi, até ao momento, a mais bela de todas as povoações de montanha em que já estivemos. Aproveitámos o dia soalheiro para deambular e disfrutar da povoação, das suas ruelas, praças e esplanadas, do seu museu alpino, da igreja, sem esquecer uma espreitadela ao Edward's bar do Hotel Monte Rosa, que tem uma fotografia, tirada e assinada pelo próprio alpinista, o primeiro a escalar o Matterhorn, ou Monte Cervino, se quisermos agradar aos italianos. Estamos na Suíça e a emigração portuguesa faz-se notar. Tivemos um pouco a sensação de que, se apenas falássemos português, em quase todos os estabelecimentos haveria alguém que nos compreenderia!













































Fotos: Zermatt.

Em Zermatt (1.600 metros) há um teleférico que sobe aos 3.883 metros do cume do Kleines Matterhorn, que tem o restaurante e o miradouro europeus a maior altitude. A viagem faz-se por etapas e, mais uma vez, já aconselha a alguma aclimatação à altitude e ao doseamento dos esforços físicos… Voltámos a ir quase aos quatro mil metros! Estes 3.883 metros do topo do Kleines Matterhorn foram, até à data, o ponto mais alto em que já estivemos.

As vistas são absolutamente magníficas e a visita ao pequeno museu do gelo também é imperdível. Ia era gelando lá dentro, apesar de todos os abafos que levava!

Ao contrário do Mont Blanc, em que em torno da zona da Aiguille du Midi vimos dezenas de pessoas, em “cordada” com guias de montanha, a fazerem caminhadas na neve e gelo do glaciar, aqui, no Matterhorn, esse número era bastante diminuto.

Almoçámos, noblesse oblige, no restaurante mais alto da Europa onde, claro, também estava uma portuguesa simpatiquíssima, até por encontrar conterrâneos naquele sítio. Revelou-nos que também havia trabalhado em Zermatt, 2.200 metros mais abaixo e que ali o efeito da maior altitude se fazia sentir fortemente. Todo o staff chegava ao final do dia completamente exausto. Afinal, não era só a minha péssima forma física que ditava as suas leis… Parece que era geral!

Na descida para Zermatt, aproveitámos uma das etapas para deixar o teleférico e deambular um pouco pela montanha. O trajecto, com bom tempo, pode-se realizar todo a pé… Voltámos ao teleférico. Mas o tempo estava bom…




















Fotos: Zermatt - Trajecto para o Kleines Matterhorn.

































Fotos: Zermatt - Kleines Matterhorn.

















Fotos: Zermatt - Descida do Kleines Matterhorn.

Como diziam os nossos amigos… “de papinho cheio de glaciares”! Foi com aquela sensação de “aula recebida”, sobre glaciares, ciências e natureza, que seguimos para um excelente final de dia em Brig.

Formada em 1972 pela junção de Brig, Brigerbad e Glis, faz-me lembrar Abrantes que também no início dos anos setenta, em 1971, agregou à sua área urbana as povoações de Alferrarede e de Rossio ao Sul do Tejo, sendo também atravessada por um rio… Uma geminação para breve?

Tínhamos conseguido um hotel simpático mesmo ao lado do palácio de Stockalper, o maior edifício privado construído no século XVII em toda a Suíça e residência de Kaspar Stockalper, mercador, banqueiro, empreendedor, militar e político cuja fortuna, pelos padrões de hoje, superaria largamente a fasquia dos quinhentos milhões de euros.

Uma das delícias de viajar pela “província” durante o estio é que, quase em todo o lado, estão a decorrer festivais e festas de Verão! Assim era também em Brig nessa sexta-feira à noite. Quase que jurávamos que o acordeonista que nesse dia animava a praça central, era o mesmo que abrilhantara a noite anterior no meio das montanhas!

Depois de uma bela jantarada na praça no meio das festividades, já no regresso ao hotel, deu para perceber como a “gente nova” cresce muito rapidamente e, sem qualquer problema, se torna “cidadã do mundo”… Quando demos por ela, as duas miúdas, de 15 e 14 bem giros anos, já tinham desequilibrado os mecanismos de “oferta e procura” lá da zona, pois traziam atrás delas uma ranchada de muito bem dispostos “galfarros” das mesmas idades, que até tiveram direito a fotografias de grupo e tudo!
































Fotos: Zermatt - Brig.

Hoje havia que sair cedo… Íamos fazer a maior parte do “arco alpino” da Suíça, seguindo até Chur. O trajecto, apenas aberto na sua totalidade ao tráfego rodoviário durante o Verão, seguia grosso modo o itinerário do comboio Glacier Express, com o qual nos cruzámos…, e que ia cheio de asiáticos. Quem quiser visitar a Europa nas calmas, que o faça o quanto antes. A atractividade que esta exerce sobre os turistas orientais, que começam gradualmente a ter poder económico para viajar, é enorme e não estranharia que, dentro de poucos anos, se assistisse a uma autêntica “invasão” de turistas provenientes desses países.

Como já tínhamos tido oportunidade de desfrutar plenamente de vários glaciares, optámos por não nos determos no glaciar Aletsh, o maior da Suíça.

Esta é, provavelmente, uma das mais belas estradas principais do país. A sucessão de paisagens avassaladoras e de povoações a pedirem visitas mais demoradas, é impressionante.

Era sábado, estava um dia excelente e os suíços tinham retirado das garagens tudo quanto era bólide de sonho! Com capota, sem capota (Não! Não havia nenhum Citröen Mehari), das terras do “Tio Sam”, da velha Europa e do enigmático oriente, acho que vimos dignos representantes das mais emblemáticas marcas de todos os continentes. Ainda por cima, grande parte deles pareciam apostados em mostrar aos restantes que conseguiam ser mais rápidos a fazer todos aqueles “éSSSSes” de estradinha de montanha!

-       “Good drivers have dead flies on the side windows!” - dizia o Walter Röhrl.

Ok! O “Pantera Negra” não permitia essas veleidades, até porque a tracção permanente às quatro rodas, não ajudava muito a cenas de “drift” e os excelentes travões de disco, ainda assim, “viam-se gregos” para abrandar aquelas duas toneladas e meia  (Ok! Desculpas!)… Mas bem vistas as coisas, em algumas daquelas curvas e contra-curvas de boa visibilidade, as “segundas bem puxadas” punham os quatro “BF Goodrich A/T” a chiar alto! Juntando a isso as tais duas toneladas e meia e o adornar da carroçaria em cima de uma suspensão com meio metro de curso…, a coisa até “dava pica”! Ok! Nas zonas mais sinuosas a subir conseguíamos ter uma fila com uma apreciável legião de seguidores, coisa que os nossos amigos, acho que nunca conseguiram… O carro deles andavam bem...







Fotos: Zona de Munster.

Entre outros “mimos” o trajecto que seguíamos incluía duas passagens de montanha emblemáticas, o Furkapass e o Oberalppass.



O Furkapass, a 2.436 metros de altitude, liga Gletsch (no Cantão do Valais) com Andermatt (no Cantão de Uri), numa impressionante sucessão de curvas com vistas espectaculares para os maciços de São Gotardo e para o Vale de Ursen. A estrada foi construída no século XIX por razões de estratégia militar e abriu ao tráfego em 1886 sendo, à época, a maior estrada de montanha da Suíça. Para quem não perdeu um filme do James Bond…, a cena do dito (num Aston Martin DB5) e da Tilly Masterson (num Ford Mustang) foi aqui realizada, em 1964, para o filme Goldfinger, ainda com Sean Connery. Digamos que conduzimos o “Pantera Negra” razoavelmente mais devagar…

















Fotos: Zona da passagem de Furka.


Neste sobe e desce constante, cruzámos também o Oberalppass, nos 2.044 metros, a curta distância das nascente do rio Reno, devidamente assinaladas por um… farol náutico! É uma cópia, à escala, do farol holandês “Hook of Holland”. Ao que consta, é o farol a maior altitude no mundo e os planos do Cantão passam por colocar ali também uma embarcação, transformada em museu / centro de interpretação das nascentes do Reno. Uma curiosa acção de marketing e envolvimento, chamando a atenção para toda uma comunidade de cinquenta milhões de pessoas cujas vidas se desenvolvem ao logo do curso do rio.

Como estas passagens de montanha costumam fechar por volta de Outubro e só reabrir lá para Abril ou Maio, existe também um serviço ferroviário em túnel que, durante esse período, permite o transporte rápido de viaturas de um lado para o outro das montanhas. Escusado será dizer que o bom do GPS nos estava sempre a convidar para a estação de comboios! Nada que a “big picture” dos velhos mapas em papel não corrigisse de imediato!




Fotos: Zona de Andermatt, com o "Glacier Express".





Fotos: Zona da passagem de Oberal.

Em Disentis (Mustér, em língua romanche) entrámos no Cantão dos Grisões, o maior da Suíça, onde se fala ainda a língua Romanche, derivada do Latim, que é a quarta língua oficial do país. Como também se fala correntemente o alemão e o italiano, este é, ao que nos disseram, o único cantão trilingue da Suíça. Mas toda a gente entende também o inglês e o francês… e o português.

Estacionámos junto a um pequeno café e fizemos uma breve visita à abadia Beneditina, cujas origens remontam ao século VII segundo uns, ou ao início do século VIII segundo outros, e com uma história riquíssima. Apesar das três línguas do cantão, o português foi a que mais ouvimos!





Fotos: Zona de Disentis.

O destino do dia era Chur, capital do cantão e a mais antiga cidade do país. Mas aproveitámos o final da tarde para darmos um salto ao Principado do Liechtenstein, um micro-estado encravado nos Alpes, entre a Áustria e a Suíça, considerado um dos mais ricos do mundo, e que é constantemente citado como um local onde a prática de branqueamento de capitais é frequente.

Para além de ficarmos todos a conhecer um pouco mais deste Principado do Liechtenstein e da sua capital, Vaduz, nesta rápida visita movia-me essencialmente a busca por um souvenir local da “Curta”… Um qualquer modelo à escala, um pin, um íman, um poster…, qualquer coisa que lhe aludisse e a representasse condignamente, sem que tivesse de pagar as exorbitâncias que são pedidas (e.g., no “ebay”) por exemplares antigos ainda existentes e, alguns, até ainda operacionais. Lembro-me de ter visto e mexido numa, quando ainda vivíamos no Polígono Militar de Tancos, numa das inúmeras vezes que, ainda criança, acompanhei o meu pai nas instalações militares. Fiquei fascinado! E nunca mais vi nenhuma… E também, desta vez e mais de quarenta anos volvidos, não encontrei em nenhuma loja de Vaduz nada que se lhe referisse… Azar!

A “Curta” era uma pequena e muito precisa calculadora mecânica, inventada e construída no Liechtenstein a partir de 1948, pelo matemático e engenheiro Curt Herzstark, e que permitia executar as operações aritméticas simples, como a adição, a subtração, a multiplicação e a divisão, mas também extrair raízes quadradas e até efectuar, de modo indirecto, operações mais complexas. Foi considerada a melhor calculadora portátil do mundo, até ao advento das calculadoras eletrónicas, já na década de 1970.

Mostrei ao meu pai o pequeno texto sobre a “Curta” e as imagens que, então, publiquei no Facebook… Lembrava-se como se tivesse sido ontem! Disse-me que só ma mostrou quando eu já estava no final da primeira classe e dominava bem as aritméticas e as operações simples. Mostrou-ma, explicou-me como funcionava, deixou-me utilizá-la e, depois, levou-me com ele no Land Rover e fomos dar uma volta pelas obras em curso nas várias unidades, para me demonstrar como aquela máquina era uma ajuda preciosa a validar cálculos no terreno! Inesquecível!










Fotos: Liechteistein.

Seguimos depois para Chur, uma cidade simpática, acolhedora e com bastante história, desde os tempos do Império Romano!

Só a meio da manhã do dia seguinte, depois de mais uma volta por Chur, continuámos viagem. Atravessámos o ‘Julierpass’, entre as bacias do Reno e do Danúbio, entabulámos dois dedos de conversa e um café com uma família de portugueses a viverem no Principado do Liechtenstein (e que parece que até nos tinham visto no Principado no dia anterior) e fomos almoçar a Sankt-Moritz.

Um dos ícones dos desportos de Inverno (foi, inclusivamente sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1928 e de 1948), a cidade e toda a sua envolvente cativa também durante o estio. Pese embora alguma descaraterização que a pressão imobiliária já por ali causou.









Fotos: Chur.








Fotos: Caminho para Sankt Moritz.














Fotos: Sankt Moritz.


Continuámos pelo deslumbrante vale de Engandine e pelo Parque Natural de Svizzer em demanda do ‘Passo dello Stelvio’.







Fotos: Parque Nacional de Svizzer.








Fotos: Passagem de Fuorn.









  





Fotos: Subida para a passagem de Umbrail.


Não podíamos deixar de percorrer as sessenta curvas da primeira escolha da Top Gear como “Greatest driving road in the world”, o ‘Passo dello Stelvio’! Ok, a análise da Top Gear centrou-se, na altura, apenas na Europa e, alguns anos depois, até ficaram com dúvidas se a romena ‘Transfăgărăşan Highway’ não seria ainda melhor… Cada coisa a seu tempo. Lá iremos também, quem sabe…

Toda a zona, integrada em Parques Naturais, é de uma beleza avassaladora. Subimos pelo lado suíço, via ‘Fuornpass’ e ‘Umbrailpass’, com direito a um troço não asfaltado e a um pequeno desvio para terra para irmos fotografar umas marmotas mais atrevidas. Já do lado italiano (a fronteira com a Suíça fica a umas escassas centenas de metros), descemos e subimos a vertente de Bormio (com uma visita à cidade, claro), deixando para o final do dia a vertente de Trafoi (onde pernoitámos). Este é, muito provavelmente, o mais espectacular troço de todo o ‘Passo dello Stelvio’. Cumprindo a tradição nas nossas passagens de montanha mais altas, apanhámos com chuva (já nos tinha acontecido na zona do ‘Col du Sommeiller’ e do ‘Col de l’Iseran’).

Construída em 1820, esta é a segunda estrada pavimentada a maior altitude (2.757 metros) nos Alpes, logo atrás da estrada do ‘Col de l’Iseran’ (2.770 metros). O caminho para o ‘Col du Sommeiller’ vai até aos 3.005 metros, mas não é asfaltado. À época, o ‘Passo dello Stelvio’ (‘Stilfser Joch’) ligava a província austríaca da Lombardia ao resto da Áustria e, até ao final da Grande Guerra, fazia fronteira entre o Império Áustro-Húngaro e o Reino de Itália. Após 1919, com o redesenho territorial da Europa, o ‘Passo dello Stelvio’ passou a fazer parte da Itália e a estrada perdeu importância estratégica.

“… The road itself is a marvel of engineering skills; the exhilarating serpentine sections ask to be driven by experienced drivers for their own sakes. All in all, this could be the most magnificent road pass in Europe…” – in Dangerous Roads.











Fotos: Passagem de Stelvio - Vertente de Bormio (sendo a última fotografia a digitalização de um postal).







Fotos: Passagem de Stelvio - Vertente de Trafoi (senda a última fotografia a digitalização de um postal).








Fotos: Passagem de Stelvio - Bormio.






Fotos: Passagem de Stelvio - Trafoi.



Vários amigos nos tinham recomendado que, estando na zona, não deixássemos de cruzar os Alpes Dolomitas, também eles parte da lista de Património Natural da Humanidade, pela UNESCO, e de visitar Cortina D’Ampezzo. Excelente conselho!

As “Montanhas Pálidas”, como foram conhecidas até há dois séculos, são essencialmente constituídas por Dolomite, uma rocha carbonatada de tons suaves e claros. Têm formas que desafiam a imaginação e assumem cores absolutamente fascinantes, especialmente durante o Verão alpino, em que a incidência do Sol ao longo do dia as transforma em inspiradoras telas, dignas dos melhores artistas, como Tiziano.

A povoação mais conhecida, diria mesmo a mais bela, será por certo, Cortina D’Ampezzo. Mais conhecida por quem pratica desportos de Inverno e por ter sido sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1956, tem um encanto muito especial no Verão. Pela minha parte, continuo a gostar incondicionalmente mais das montanhas fora dos rigores do Inverno!

Para o bem e para o mal, a Europa é uma “manta de retalhos” de diversidade e riqueza cultural. Cortina D’Ampezzo é mais um desses exemplos marcantes, em que se tenta preservar essa identidade. Muita da sinalização já se encontra em italiano e em ladino e, do pouco tempo que por ali andámos, apercebemo-nos de que a maioria da população local falava uma coisa que não conseguíamos reconhecer… Não era italiano, nem alemão, nem francês, nem espanhol… Seria romanche? Não. Era “ampezzano”, uma variante da língua ladina (também originária do Latim), como nos explicou um dos empregados do restaurante…, que também falava português!















Fotos: Alpes Dolomitas.

Voltámos a rumar a Norte e entrámos na Áustria na zona de Arnbach. Dirigíamo-nos para o ‘Großglockner Hochalpenstraße’, mais uma daquelas imperdíveis estradas panorâmicas de montanha, desta feita nos Alpes austríacos.

A Großglockner Hochalpenstraße, que liga os Estados de Carinthia e Salzburg, atravessa todo o Parque Nacional de Höhe Tauern (o maior da europa central, com 30 picos com mais de 3.000 metros), a mais alta montanha da Áustria (o Großglockner, com 3.798 metros) e o glaciar Pasterze (o maior glaciar dos Alpes orientais). São 48 km (e 36 curvas) de prazer de condução e paisagens ímpares, que cruzam o Hochtorpass nos 2.504 metros de altitude. Um pequeno paraíso também para os passeios e encontros de veículos ‘Clássicos’. O “Pantera Negra” estava nas suas sete quintas! A Großglockner Hochalpenstraße está aberta ao tráfego entre Maio e Outubro. Ficou concluída em 1935, a 3 de Agosto e, no dia seguinte, foi inaugurada com uma corrida internacional, aberta a automóveis e motos. Incluindo a construção das vias de acesso, o seu custo total conseguiu ficar abaixo do orçamentado. Outros tempos…

Não abdicámos, claro, de uma paragem em Heiligenblut, cuja igreja guarda como relíquia sagrada, uma ampola com sangue de Cristo, nem de uma incursão de final de dia nos miradouros do Kaiser Franz-Josefs Höhe e, já a apanhar o “lusco-fusco”, de Edelwißpitze (2.571 metros). Vistas absolutamente divinais!

No caso do miradouro do Kaiser Franz-Josefs Höhe, diz-se que o visitante pode até ser ‘premiado’ com umas visitas de marmotas e de ibexes. Tivemos sorte! A dada altura, a gente mais nova diz-nos que tinham visto ibexes… Brincadeiras da garotada, pensámos nós. Mas não, era mesmo verdade! Vindos do outro lado da cumeeira, quatro ou cinco belos exemplares resolveram presentear-nos com um ar da sua graça, com “danças e cabriolas”, ali mesmo, apenas a umas dezenas de metros do miradouro! Para rematar a coisa, as marmotas também não se quiseram deixar ficar para trás e uma delas… “quase que veio comer à mão”…







Fotos: Parque Nacional de Höhe Tauern - Großglockner Hochalpenstraße.

























Fotos: Parque Nacional de Höhe Tauern - Großglockner Hochalpenstraße - Miradouro do Kaiser Franz-Josefs Höhe.










Fotos: Parque Nacional de Höhe Tauern - Großglockner Hochalpenstraße - Passagem de Hochtor.








Fotos: Parque Nacional de Höhe Tauern - Großglockner Hochalpenstraße - Miradouro Edelwißpitze.


Com tudo isto, claro que a noite nos apanhou ainda na vertente Norte da montanha e chegámos a Zell am See mesmo no limite de fecho do único tasco ainda aberto, um McDonald’s… com um nível de serviço e simpatia ligeiramente abaixo do mau.

O dia de hoje pedia que não nos detivéssemos demasiado tempo a desfrutar da cidade e das margens do lago. Íamos visitar as maiores grutas de gelo (visitáveis) do mundo, as grutas de Eisriesenwelt, próximo de Werfen. Depois e consoante o adiantado da hora, seguiríamos para as minas de sal de Hallein e, finalmente, para Salzburg...

Convém chegar cedo a Eisriesenwelt para evitar esperar horas nas filas… Cá fora, calor de Verão. Lá dentro, gorro, luvas, botas e "polar", que a temperatura ronda os 0º C! Dão-nos uma lanterna de "testa", à moda antiga… e não se podem tirar fotografias. A visita dura cerca de hora e meia… É exigente em termos físicos e a organização não se cansa de alertar para tal, dando a imagem da subida e descida, pelas escadas, de um edifício tipo “arranha-céus”... Depois de uma estradinha de montanha (a que não faltava inclusive o aviso de que se os condutores não se sentissem preparados para a fazer, a organização assegurava transporte…), seguiu-se meia-hora a pé, montanha acima, até ao centro de interpretação para comprar-mos os bilhetes… Mais meia-hora a pé (montanha acima) até ao teleférico que, em três minutos (depois de uma eternidade na fila) nos iça quinhentos metros… Mais meia-hora (montanha acima) até à entrada da gruta… Estamos nos Alpes e a meteorologia tem variações de humor quase instantâneas. Mas o São Pedro continuava connosco e pudemos beneficiar de vistas magníficas durante todo o trajecto.

As visitas no interior da gruta são guiadas, claro, com explicação histórica e científica detalhadas sobre as grutas e as formações de gelo. Uma experiência única. Eisriesenwelt é um labirinto de mais de quarenta quilómetros, que se tem desenvolvido desde há cem milhões de anos para cá. A estrutura de gelos é “dinâmica” e as esculturas de gelo ditadas pelos caprichos da natureza vão-se modificando. É muito provável que algumas zonas que hoje pudemos visitar estejam bloqueadas daqui a uma década… e vice-versa.

Optámos por mais um daqueles “lunch with a view” num dos bar / restaurante da montanha.






Fotos: Zell am See.
















Fotos: Werten - Grutas de gelo de Eisriesenwelt (as últimas cinco fotografias são cópias digitalizadas de merchandising).

A tarde já ia a meio e como tudo fecha sempre muito cedo nestas latitudes, a visita às minas de sal de Hallein, que fizeram a fortuna de Salzburg, ficaram-se só pelo exterior… Aproveitámos para deambular um pouco pelas estradinhas bucólicas da região, incluindo até um pequeno desvio à Alemanha, numa reentrância caprichosa da fronteira, ali mesmo ao lado, à zona do “Ninho da Águia”, tão querida de Hitler. Como os acessos a veículos privados eram interditos e os da organização já não circulavam àquela hora, ficámo-nos literalmente a “olhar para o cimo do monte”… e seguimos para Salzburg.

Mais uma vez, constactámos que a malta dos hotéis tem algumas dificuldades com a fita métrica e o “Pantera Negra” não cabia na garagem… Ficou em “exposição”, estacionado na frontaria envidraçada do hotel e…, digamos que até fez sucesso!

Salzburg, património da humanidade pela UNESCO é mais uma daquelas cidades encantadoras em que qualquer pessoa gostaria de viver e trabalhar, pelo menos no Verão. Uma visita a sério pede uns quantos dias… Dedicámos-lhe apenas meio-dia. Manifestamente pouco. Apenas um primeiro amuse.bouche, para vermos a fortaleza de Holensalzburg, os jardins do Palácio de Mirabel, a Catedral, o centro histórico pedonal com a Getreidegaße (onde se encontra a casa de Mozart), a Praça Mozart, a Praça da Residência, as margens do rio Salzach…











Fotos: Salzburg.


Só que o dia de hoje já estava programado para estabelecermos escala em Vienna de Áustria. Seguimos pelo Salzkammergut e pelo vale do Danúbio, não sem antes fazermos uma demorada paragem em Mondsee e arredores.

Para muitos (e para nós, até ao dia de hoje), Mondsee estava essencialmente associada às filmagens do filme “Música no coração”, de 1965. A verdade é que a povoação tem registos históricos de ocupação humana que remontam a milhares de anos e foi, desde os tempos do Império Romano, local de importância logística, monástica e cultural. Gostámos de Mondsee!







Fotos: Mondsee.


A chegada a Vienna de Áustria, capital da música, da cultura, da elevação…, não se pode dizer que não tenha tido o condão de nos surpreender. Parámos à entrada da cidade para atestar o “Pantera Negra” e… Bem, quase que se perdia a conta ao número de “senhoras”, muitas envergando as mais ousadas peças de lingerie, que, na maior descontração e… ousadia, por ali actuavam. E não! Não era nenhum desfile da Victoria Secrets, embora que, pelo menos uma das moças, não desmerecesse em nada para as “Irinas Shayks” desta vida...

Os próximos dias iam, portanto, ser dedicados a Vienna de Áustria. Guias da American Express em riste e procurar visitar os palácios de Schönbrunn (residência do Imperador Francisco José e de "Sissi"), Hofburg e Belvedere… Conhecer o Museu Kunsthistorisches e a Catedral de Sankt Stephan. Caminhar pela Kärntnerstrasse (lojas!) e pela Ringstrasse (autêntico museu a "céu aberto"). Ver a Ópera, o Parlamento, a "Rathouse", a Igreja Votiva, o parque Prater, o Café Central… Conseguimos quase “ir a todas”, mau grado os quarenta e quatro graus que apanhámos nesses dias. Vienna de Áustria é, de facto, uma cidade fabulosa, que nos transporta para os tempos áureos do Império Austro-Húngaro.

Não pudemos também de deixar de nos sentir emocionados ao passearmos na “Aristides-de-Sousa-Mendes-Promenade”.

O “Café Central”, presente na lista dos dez cafés mais belos do mundo, onde também figura o Majestic do Porto, estava em obras. Conseguimos apenas “espreitar” a partir da porta principal. Deu para perceber porque integra a dita lista. É magnífico.

Estando aqui, não perdemos o “Mozart & Strauss Konzerte”, um excelente espectáculo levado à cena pela “Wiener Royal Orchester” no Palais Niederösterreich. Obras de Mozart, Strauss e Lumbye magistralmente interpretadas. Absolutamente “cinco estrelas”!


































Fotos: Wien.


Os dois dias seguintes dedicámo-los a Budapeste. Subimos o curso do Danúbio e, como até ficava em caminho, fizemos uma paragem prolongada em Bratislava.

Tínhamos tido opiniões diametralmente opostas sobre esta cidade… Desde pessoas que nos diziam para não perder tempo a visitá-la… até quem nos dissesse que valia bem a pena. A visita foi rápida, claro. Mas gostámos bastante da cidade. Acabámos por almoçar por lá e só ao início da tarde rumámos à Hungria.















Fotos: Bratislava.

Um país de contrastes, a Hungria. A caminho de Budapeste, num desvio por estradas mais interiores, conseguimos ainda ver, nos campos agrícolas, cavalos de trabalho atrelados a carroças de dois eixos… Um outro mundo. Temos pena de não termos tirado fotografias nessa incursão pelos campos magiares. Cruzámos Györ e seguimos para Budapeste.

In memory of the 1956 revolution
Bullet holes from 1956

Era esta a inscrição na lápide da parede defronte do hotel em que ficámos, em Budapeste.

O hotel era bastante simpático, mas a zona em que se inseria…, nem por isso. Fica-se sempre com uma sensação estranha no estômago quando se circula por bairros em que os edifícios, para além de alguma acentuada degradação, têm buracos de balas nas paredes.

A Revolução Húngara de 1956 durou pouco tempo, de 23 de Outubro a 10 de Novembro. Foi uma revolta popular ‘espontânea’ (e sem a ajuda do Twitter ou do Facebook!), contra as políticas impostas pelo governo e pela, então, União Soviética. Começou como uma manifestação estudantil que, em poucas horas, atraiu milhares de pessoas que marcharam pelo centro de Budapeste até ao edifício do parlamento. A revolta espalhou-se rapidamente por toda a ‘República Popular da Hungria’ e o governo caiu. A 4 de Novembro, um exército soviético invadiu Budapeste e outras regiões do país. A resistência húngara continuou até 10 de Novembro. Milhares de mortos, prisões em massa e denúncias continuaram durante meses. E até não foi assim há tanto tempo…

As origens dos primeiros povoados perdem-se nos tempos Celtas. Como a conhecemos hoje, contudo, Budapeste foi fundada apenas em 17 de Novembro de 1873, com a fusão das cidades de Buda e Ôbuda, na margem direita do Danúbio, com Peste, na margem esquerda. Buda ainda mantém as suas ruas medievais, casas, museus e ruínas romanas. Já Peste se nos afigurou mais dinâmica e moderna. Possui o que, ao que consta, ainda é o maior Parlamento da Europa, desafia-nos a longas caminhadas nas margens do rio Danúbio, sem falar nos mercados, livrarias, lojas de antiguidades e cafés cheios de charme. Como já tínhamos uma boa dose de quilómetros a pé nos dias anteriores, em Viena, procurámos dosear o esforço e optimizar os city-tours “Hop on – hop off”, para além de um magnífico passeio no Danúbio. Imperdível!

O “Hard Rock Café” ficou um pouco aquém das espectativas (em termos de serviço) mas, para compensar, o "Café New York" (no Hotel New York Palace), na lista dos dez mais belos cafés do mundo, ficou para sempre nas nossas memórias. Absolutamente divinal! Ah! E o Euro ainda por ali não tinha chegado… Sentimo-nos “ricos”!


























Fotos: Budapeste.

A malta nova tinha exagerado um bocadinho nos sumos e gelados, absolutamente deliciosos, do “Café New York”… De manhã, estavam todos a dar para o “KO” e resolvemos sair bastante mais tarde do que o planeado, para ver se arribavam.

Seguiu-se um daqueles “dias de ligação”…, a devorar quilómetros. De qualquer das formas, e como sempre procuramos fazer nestas situações, tentámos amenizar a coisa…

Descemos ao longo do lago Balaton, o maior lago da Europa central e ocidental (o “mar húngaro”!), um dos ex-libris do país, entrámos na Croácia e rumámos a Zagreb, a milenar capital (ainda que apenas no século XVII, as duas comunidades medievais que lhe deram origem, Gradec e Kaptol, se tenham fundido para a formar).



Fotos: Lago Balaton.

Como a garotada ainda não estava a 100%, demos só uma pequena volta pela zona central da cidade e fizemos uma escala mais demorada no restaurante. Entretanto, aprendemos uma receita croata para problemas de digestões mal resolvidas… Com todas as cautelas, não fosse a sugestão parecer-nos mal, o empregado do restaurante / bar lá nos foi dizendo que o melhor era mesmo darmos uns copitos de schnapps gelada às crianças. Não havia melhor para reactivar digestões paradas e resolver más disposições! Lá agradecemos a preocupação e a sugestão mas, como a miudagem até já estava a melhorar…, deixámos a “receita” para outra ocasião…

A nossa saída de Zagreb foi algo ‘diferente do expectável’. Dia de Verão excelente, esplanadas cheias de gente, gelados deliciosos como só ali se fazem… mas tínhamos mesmo de iniciar mais uma ‘etapa de ligação’ na nossa viagem. Nessa noite já íamos dormir junto ao Adriático, em Trieste, não sem antes cruzarmos a Eslovénia e procurarmos fazer uma pequena paragem na sua capital, Ljubljana.

Subitamente, vindo do nada, um mini-tornado varreu toda a zona, instalando um pequeno caos à sua passagem. Eléctricos parados nos pontos menos próprios, a bloquear o trânsito, porque a rede eléctrica tinha sido arrancada dos suportes e quebrada… Uma senhora inanimada no passeio, com a cabeça rodeada de uma poça de sangue. Tinha sido atingida por um sinal de trânsito… ‘Tudo pelos ares’. Aos nossos amigos passou mesmo um ramo de árvore a ‘voar’ em frente ao pára-brisas…

No meio da confusão, a nossa prioridade era mesmo sair dali rapidamente e afastarmo-nos do trajecto daquele ‘pé-de-vento’ antes que alguma cadeira, mesa, ramo de árvore ou o que quer que fosse, resolvesse marcar um ‘encontro imediato de 3º grau’ com o “Pantera Negra” e connosco. Só conseguimos ‘paz de espírito’ para tirar duas ou três fotografias quando, já em espaços mais abertos, à saída de Zagreb, só já uma ‘mão-cheia’ de folhitas esvoaçantes palidamente nos recordavam o que tínhamos visto na última meia-hora…

Nestas coisas, como em tudo na vida, o factor 'sorte' também ditou as suas leis. Felizmente correu tudo bem! Mas também é verdade que aqueles momentos em que nos parecia que tudo voava à volta dos jipes, em que se tinha de conduzir com atenção redobrada (e até com algumas transgressões!) para se conseguir sair rapidamente da zona..., ficaram-nos na memória.

O rasto do mini-tornado ficou visível por todo o caminho até à Eslovénia.





Fotos: Zagreb.

Com os ajustes de tempos feitos, quer na hora de partida, quer ao longo da viagem, acabámos por pouco podermos desfrutar da Eslovénia e da sua capital, Ljubljana. Mas, afinal de contas, esta até era só uma “etapa de ligação”… Ao passar Novo Mesto e as placas para a fábrica da Renault, ainda nos rimos com os tempos em que trabalhei na Renault Portuguesa. A fábrica ficava na então Jugoslávia… e as cachopas da terra tinham fama de serem muito giras. Bem… As “razões” (artimanhas?) que o “universo masculino da Renault” arranjava para conseguir ter um projecto, uma reunião, uma escala que fosse, na fábrica de Novo Mesto… dariam para escrever um livro! Nunca consegui uma “razão” suficientemente “sólida”…



Fotos: Ljubljana.





Fotos: Trieste.


Com todos os atrasos, só chegámos a Trieste ao final do dia. Os mergulhos previstos nas tentadoras águas do Adriático (o hotel, como a maioria na zona, para além de umas vistas soberbas, tinha acesso privativo ao mar) tiveram de ficar para outra iteração das nossas viagens.

Saímos não muito tarde e rumámos a Veneza, cidade Património da Humanidade pela UNESCO, uma daquelas cidades únicas que nunca nos cansam. Praça e Basílica de São Marcos, uma espreitadela ao “Florian” (também ele um dos cafés da lista dos Top 10 mundiais, mas que não nos convenceu), o Paço Ducal, a “Ponte de Rialto”, a “Ponte dos Suspiros”, a “Ponte dos Desejos”, a ponte de… (perdemos-lhe o conto!), etc., etc., sem esquecer uma bela passeata de gôndola. Só a noite dali nos arrancou.







































Fotos: Veneza.

Mantivemos o plano de revisitar algumas das zonas emblemáticas do que é hoje a Itália. Depois da terra dos Doges, seguimos pela zona renascentista. Procurámos “dividir” bem o tempo e conseguimos visitar Florença (uma cidade que sempre me encantou (e, desta vez, subimos ao topo do campanário!)), Siena e, já ao final do dia, Pisa e o seu Campo dei Miracoli, o maior conjunto de arquitectura românica da Europa. Deambular por estas cidades impregnadas de história, pelas suas praças, catedrais, batistérios, palácios… dá-nos uma visão complementar, in loco, do que foi e da importância que teve o movimento renascentista na Europa… e no mundo conhecido de então.
























Fotos: Florença.









Fotos: Siena.










Fotos: Pisa.


Para variar, só chegámos a La Spezia já bem entrados na noite.

Como já conhecíamos a zona das Cinque Terre e da Côte d’Azur, resolvemos abreviar caminho e seguir directos pela horrível auto-estrada de montanha da Riviéra italiana. Uma auto-estrada estreita, cheia de curvas e túneis, e onde parece que ninguém respeita ninguém… a começar pelos camionistas que, de certeza, conduzem a sonhar que vão ao volante de um Ferrari, ou de um Lamborghini! É extenuante (e verdadeiramente perigoso!).

Fizemos uma escala para almoço em Menton, com mais uma aventura num parque de estacionamento subterrâneo..., que, para variar, tinha as medidas erradas… e seguimos para os Alpes Marítimos, em demanda do Col du Turini!

Da última vez que tínhamos andado a deambular Côte d’Azur, o ‘Col du Turini’ foi preterido a favor das “Gorges du Verdon” (o “Grand Canyon” cá da Europa). Desta vez não podíamos deixar de percorrer as curvas e contra-curvas desta estrada mítica de montanha, que até tem honras de fazer parte do Rally de Monte Carlo! Também fez parte de uma das primeiras reportagens da “Top Gear” sobre “Drives of a lifetime”.

Subimos pelo lado de Menton, Castillon, Sospel, Moulinet até ao dito ‘Col du Turini’ e descemos por Peïra-Cava, Pas de l'Escous e Lucéram em direcção a Nice. Vistas espectaculares e excelente condução. Mais uma das “Drives of a lifetime” no curriculum do “Pantera Negra”! Done!


Foto: Menton.










Fotos: Trajecto do Col du Turini.


Final de dia magnífico na zona antiga de Marselha (sim, depois de mais uma confusão de medidas na garagem do hotel!). Nota-se a crescente presença e “influência” do Norte de África na zona… Mas enfim, a França tem um sério problema entre mãos.

Entretanto, os nossos amigos aproveitaram para darem uma volta pelas Cinque Terre e pelo Mónaco.








Fotos: Marseille.



Esta coisa das viagens razoavelmente longas com partida e chegada ao mesmo ponto, têm sempre uma característica em comum… Os dois últimos dias são uma verdadeira “seca”! Etapas de ligação, a “devorar quilómetros”!

Para fugirmos ao tráfego de emigrantes que fizeram o habitual caos na rota de acesso Norte (estávamos no primeiro fim-de-semana de Agosto!), planeámos a viagem de regresso pelo lado de Zaragoza. Assim, só apanhámos com o trânsito caótico no resto do Sul de França (quanto a isso, não havia nada a fazer).

O final de tarde em Zaragoza, capital da região autónoma de Aragão, revelou-nos uma das joias pouco conhecidas e visitadas de Espanha (a própria Basílica de Nossa Senhora do Pilar, foi recentemente considerada como um dos doze tesouros do país!). Tão agradados ficámos que, no dia seguinte de manhã, voltámos a deambular pela cidade. Numa próxima viagem para aqueles lados, a escala em Zaragoza ficou desde já arrematada!



Fotos: Meridiano de Greenwich.














Fotos: Zaragoza.

E pronto! Último dia na estrada, passagem por Madrid e demanda do lar, daquela cidade algures no “centro do mundo”, uma cidade acolhedora que remonta aos tempos dos Celtas e que hoje, num país pequeno como o nosso, está próxima de tudo!

Escala em Abrantes e, para os nossos amigos, a tal “demanda do lar” ainda os fez acumular mais cento e tal quilómetros, quase tudo auto-estrada, valha-nos isso!

Aos poucos e do alto dos seus mais de trezentos mil quilómetros e quase duas décadas de bons e fiéis serviços, o nosso “Pantera Negra” já deambulou por vinte e três países… Portugal de lés-a-lés, Alemanha, Áustria, Bélgica, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Finlândia, França, Grão-Ducado do Luxemburgo, Holanda, Hungria, Itália, Marrocos, Noruega, Principados de Andorra, do Liechtenstein e do Mónaco, Reino Unido, Suécia e Suíça! Num qualquer ranking de veículos privados bem viajados…, já não faz muito má figura…




 Luís de Matos
(Agosto de 2013)