sábado, 24 de junho de 2006

Voltas pela Andaluzia… da Atlântida perdida ao deserto do Califado

 

 

 

Texto: Luís de Matos

Fotos: Luís de Matos, Maria José e Ana Sofia

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 Foto: O trajecto.

 

  

O Sul de Espanha, mesmo ali ao lado, sempre foi um alvo predilecto para os nossos passeios de curta duração. Quer aproveitando uma ou outra “ponte” com Feriados, quer aproveitando as férias de Natal, Carnaval e Páscoa da nossa filha, quer, claro, no período Estival…, anos houve em que por lá deambulámos por diversas vezes! E com muita repetição de locais… O Parque Natural de Doñana, então, deve ter o nosso recorde de visitas, seguido da Isla Mágica, em Sevilha. Mas também Granada e a zona da Sierra Nevada várias vezes nos atraíram.

 

Neste Verão de 2006, resolvemos dar uma volta um pouco maior e seguir até ao Leste da Andaluzia, na zona de Almería e do Desierto de Tabernas, que ainda não conhecíamos.

 

Comme d’habitude, começamos por rumar ao nosso velho conhecido Parque Natural de Doñana que, ao que parece e ali, logo a seguir às Colunas de Hércules, terá feito parte dos domínios terrestres da desaparecida Atlântida!

 

É sempre um gosto revisitar este parque, declarado Património da Humanidade pela UNESCO em 1994. Visitámo-lo pela primeira vez, ainda a nossa filha não tinha nascido. Depois disso, temos regressado com alguma regularidade e em diferentes épocas do ano. Só nós os três, quase sempre, mas também com familiares e amigos de longa data. Visitá-lo-íamos ainda mais umas quantas vezes nos anos seguintes!

 

Nas estações mais secas, consegue-se fazer um percurso mais extenso. Nas estações mais húmidas, alguns desses trajectos estão submersos com dois metros de água! Na Primavera e no Outono (que é quando mais chove na zona!), claro, estamos num outro mundo de luz e cor!

 

A área natural de Doñana é considerada a maior reserva biológica da Espanha (e também da Europa), com uma extensão de reserva protegida superior a 50.000 hectares. Ponto crucial nas rotas de aves migratórias entre África e a Europa, é também o último refúgio para muitas espécies ameaçadas de extinção. A paisagem é fantástica, com florestas de pinheiros mansos e arbustos mediterrânicos nos solos mais arenosos, a par de zonas pantanosas nos solos mais argilosos (que escondem a tal Atlântida perdida!).

 

Horas antes, um enorme veado tinha ficado preso, precisamente numa destas armadilhas pantanosas da zona Norte. Os guias, para a devida “paz de espírito” da nossa filha, garantiram-lhe que os serviços do parque o iriam libertar… O que, claro, deu uma boa e acesa troca de ideias sobre o que o Ser Humano deve fazer neste tipo de situações… Intervir? Não intervir?

 

Na zona Sul, os guias chamam sempre a atenção para as dunas móveis que transportam pinheiros, como se estes as…, cavalgassem! Mais do que a confiança cega na nossa memória pode provar, quando revemos fotografias de diferentes anos, tiradas mais ou menos nos mesmos sítios…, é notório esse movimento dunar, “com os pinheiros às costas”! Devo dizer que a zona Sul é a nossa preferida.



























 

Fotos: Parque Natural de Doñana.

 

 

Não são permitidas viaturas particulares no Parque Natural de Doñana e o “Pantera Negra”, claro, ficou no estacionamento. As visitas, sempre com guias, são feitas a bordo de veículos da organização… Land Rover, claro está, mas também antigos Pegaso e Mercedes Unimog, carroçados “à la mini-bus”. Grandes máquinas!

 

“Pantera Negra” foi o nome com que a nossa filha baptizou o nosso Range Rover Classic, há meia dúzia de anos atrás, quando ainda se deliciava com as histórias do “Mogli, o filho da selva” e dos seus inseparáveis amigos, Balú, o urso, e Baghera, a pantera negra!

 

Apenas às populações autóctones é permitido viver e circular em Doñana. O equilíbrio não é fácil.

 

Sentimo-nos sempre tentados a, num qualquer ano, na segunda-feira seguinte ao domingo de Pentecostes, nos juntarmos a uma das mais de cem Irmandades que integram a Romaria da Virgem de El Rocío! Um dia, quem sabe…

 

Esta peregrinação é um dos eventos religiosos que mais pessoas atraem em todo o país (mais de um milhão!) e as suas origens perdem-se nos tempos da Reconquista Cristã destes territórios, no final do século XIII.

 

As formas mais típicas de fazer esta centenária peregrinação são… a pé, a cavalo, ou numa carroça devidamente ornamentada. Sinais dos tempos, famílias em veículos 4x4 ligeiros passaram, também, a ser norma. Dorme-se ao ar livre, claro está. Portanto, até se pode fazer um brilharete em termos de um…, “overland” abençoado!

 

Rezam os folhetos publicitários que…

 

“.. Na noite de domingo de Pentecostes ninguém dorme, na expectativa de poder entrar na igreja. E nos acampamentos, ao cair da noite, os peregrinos comem, bebem, cantam e dançam. O som dos violões e pandeiros flamencos, levado pelo vento, anima toda a noite...”

 

Para já e peregrinações à parte, resolvemos pernoitar, precisamente, na povoação de El Rocío!

 

Situada mesmo ao lado (quase dentro!) de uma vasta zona alagada (diminuta no Verão), El Rocío é um miradouro fantástico para as inúmeras espécies de aves aquáticas, para as éguas e para o gado que, tranquilamente, vagueiam nas águas rasas. Depois… Bem, depois, as suas ruas são em areia e a população desloca-se, essencialmente, a cavalo! Fossem as casas de madeira…, e estaríamos, algures, no Oeste longínquo!

 

Jantámos, tarde como convém na Andaluzia, na praça defronte ao Hotel Toruño. Entretanto, os “indígenas” iam passando, montados em belíssimos cavalos, ou refastelados em carruagens abertas, restauradas a rigor. Sem desmontar (nem saírem das carruagens), lá tomavam umas valentes canecas de final de dia que o pessoal do restaurante lhes levava. Divinal!

 

 



 








 

Fotos: Povoação de El Rocío. (As imagens da Romaria da Virgem de El Rocío foram retiradas da Internet (Fonte: http://www.spain.info))

 

 


Deixámos El Rocío e o Parque Natural de Doñana e rumámos a Sevilha. Adoramos Sevilha e, claro, voltámos a percorrer as 35 rampas da Torre Giralda (construídas para que o sultão pudesse subir montado a cavalo). Iniciada como minarete de mesquita (inspirada na Mesquita Koutoubia, de Marrakech), a torre foi, mais tarde, concluída como campanário da Catedral de Sevilha.

Só que o destino era mesmo…, a Isla Mágica! Mais um daqueles “destinos” muitas vezes por nós visitados!

 

Construído no espaço anteriormente ocupado pela “Expo 92”, abriu ao público em 1997. Possui meia dúzia de áreas temáticas “ancoradas” na época dos descobrimentos (espanhóis!) dos séculos XV e XVI, e consegue ser um daqueles parques com dimensão e qualidade certas, e que não cansam!

 

 














Fotos: Sevilla.

 

 


 

 





 

 

Fotos: Sevilla – Isla Mágica.

 

 

  

Revigorados pelas brincadeiras da Isla Mágica e pelas noites de Sevilha, rumámos a Sul.

 

Noblesse oblige, já tínhamos visitado bastantes vezes o Cabo da Roca, em Portugal, o ponto mais ocidental da Europa Continental. Desta vez, iríamos levar o “Pantera Negra” ao ponto mais meridional da dita Europa Continental… A Punta de Tarifa! Ou Punta Marroqui, como também é conhecida (a costa de Marrocos "é já ali" e vê-se perfeitamente!).

 

Não o imaginávamos então mas, cinco anos depois, no Verão de 2011, estaríamos a unir o Cabo da Roca (o tal ponto mais ocidental) com o Cabo Norte, na Noruega, o ponto mais setentrional da Europa Continental! Ainda menos imaginávamos que, outros cinco anos volvidos, na viagem à Rússia realizada no Verão de 2016, também levaríamos o “Pantera Negra” até ao centro geográfico dessa mesma Europa, em Suchowola, na Polónia!... O ponto mais oriental fica no meio da Cordilheira dos Urais… Mais propriamente, no Leste da República de Komi (da Federação Russa), numa área pantanosa situada entre os rios Malaia Usa e Malaia Shuchia, com as coordenadas N 67º 47’ e E 66º 17’… Ainda nos falta esse "Ponto Cardeal", portanto...

 

Só tinha estado uma vez em Tarifa, no início dos anos noventa do século passado. Tinha ido, com um colega da ENDESA, à Central Termoeléctrica de Los Barrios, para analisarmos uns temas de sistemas de controlo e instrumentação para precipitadores electrostáticos e, claro, no final dos dias aproveitámos para visitar a zona! Só que, à época, a fortaleza da Isla de Tarifa (ligada ao continente por uma pequena ponte) ainda desempenhava funções militares.

 

A fortaleza da Punta de Tarifa, como seria de esperar, não permite a entrada de viaturas particulares… Mas a Guardia Civil, quando fiz uma curta marcha-atrás na ponte de sentido proibido, não viu. Ou então, percebeu que era apenas para uma rápida e emblemática fotografia turística e, claro, fez uma didáctica “vista-grossa”! Bem hajam!

 

  

 

 

 



 

 

 

Fotos: Punta de Tarifa (A fotografia aérea foi retirada da Internet (Fonte: http://www.wikipedia.com)).

 

 


 Estando na zona, uma visita ao rochedo de Gibraltar era imperdível.

 

Nessas tais visitas de final de dia dos anos noventa, não cheguei a entrar em Gibraltar. O clima entre Espanha e o Reino Unido não estava famoso e os cidadãos espanhóis estavam proibidos de visitar o rochedo. Portanto, eu seria muito bem vindo a Gibraltar, mas o meu colega espanhol teria de ficar na fronteira! Ainda nos rimos todos, britânicos inclusive, da insanidade da medida, e voltámos para trás.

 

A soberania sobre Gibraltar é matéria de discórdia antiga entre o Reino Unido e Espanha. Em referendo realizado em 1967, os gibraltinos rejeitaram liminarmente as propostas de soberania espanhola. Em 2002, noutro referendo, rejeitaram também a proposta espanhola de uma soberania partilhada com o Reino Unido.

 

Em 1462 o primeiro Duke de Medina Sidónia, Don Juan Alonso de Guzmán, conquistou Gibraltar ao Reino Nasrida de Granada. Dois séculos e meio depois, em 1704, durante a Guerra da Sucessão Espanhola (com a reivindicação dos Habsburgos ao trono espanhol), as forças anglo-holandesas conquistaram Gibraltar. No entanto, poucos anos passados, em 1713, pela assinatura do Tratado de Utrecht, o território foi cedido definitiva e perpetuamente à Grã-Bretanha. Em termos militares, durante as invasões napoleónicas e durante a Segunda Guerra Mundial, Gibraltar foi uma base importante para a Royal Navy, pois controlava a entrada e saída do Mar Mediterrâneo. Com a abertura do Canal de Suez, em 1869, Gibraltar reforçou a sua importância estratégica, também em termos comerciais. Aos dias de hoje, pelas “Colunas de Hércules”, passa metade do valor de todo o comércio marítimo mundial!

 

E voltámos a ficar barrados no acesso a Gibraltar!… Mas apenas para vermos passar os aviões. É que a estrada de acesso ao rochedo cruza a pista do aeroporto de Gibraltar.

 

Não nos detivemos na pequena, mas sobrepovoada, cidade e subimos para o topo do rochedo. Queríamos visitar os Túneis do Grande Cerco de Gibraltar (1779 – 1783), uma das mais significativas maravilhas da engenharia militar em todo o Mediterrâneo. Escavados pelos britânicos, “à pá e picatreta”, em apenas mês e meio, este labirinto de túneis por onde se podiam movimentar tropas e canhões foi determinante na vitória dos britânicos sobre as forças sitiantes, francesas e espanholas.

 

Noblesse oblige, não nos viemos embora sem uma volta pela Reserva Natural de Gibraltar (a “Upper Rock Natural Reserve”) e sem umas quantas fotografias aos macacos da Barbaria. Espécie nativa do Norte de Marrocos, estes são os únicos primatas que vivem em estado “selvagem” na Europa, para além dos seres humanos, claro! São, aqui, espécie super-protegida e todos estão identificados e catalogados. Até porque, segundo reza a lenda…

 

“… Se os macacos um dia deixarem Gibraltar, os britânicos também o farão!…”

 

 

 

 

 

 



 


 

 

Fotos: Gibraltar.

 

 

 

Gibraltar pede, sempre, mais uns quantos dias de visita…

 

Entretanto, deixámos as estradas rápidas do litoral e inflectimos para Nordeste, pelas estradas interiores da Serrania de Ronda, rumo a… Ronda, para nós, uma das povoações mais bonitas da Andaluzia! Alcantilada num promontório calcário e rodeada de montanhas, a cidade está dividida pelo desfiladeiro do Rio Gaudalevín, as “Gargantas de El Tajo”. Com um clima mais fresco, toda a cidade encanta e, mesmo que numa visita rápida, locais como o “casco antiguo”, a Plaza de Toros, o Puente Nuevo e, claro, El Tajo, são imperdíveis.

 

Na Península Ibérica, Ronda é considerada o berço da moderna tauromaquia e a sua Plaza de Toros, inaugurada em 1785, é uma das mais antigas de Espanha. Triunfar em Ronda é o sonho de todos os toureiros! Na primeira semana de Setembro decorre a mais famosa das corridas, a Corrida Goyesca, em homenagem a Pedro Romero, o toureiro mais "perfeito" da história. Os participantes vestem-se a rigor, com roupas de época, ao estilo dos quadros de Goya.

 

 

 




 



 










 

Fotos: Ronda (A fotografia aérea foi retirada da Internet (Fonte: http://www.wikipedia.com)).

 

 

 

O destino seguinte era Granada, onde faríamos base para visitar o Allambra e a Sierra Nevada. Sem nenhum motivo particular, a conversa a bordo do “Pantera Negra” recaiu sobre Marbella e a temperatura das águas… Rumámos, pois a Sul… e fomos dar um mergulho a Marbella!

 

Situada no sopé da Sierra Blanca, Marbella é a referência espanhola em termos de povoações / resorts de turismo de luxo. Encantadora, calorosa e acolhedora, a cidade e a sua envolvente seduz a todos os que a visitam. Deixámos para uma viagem posterior as seduções de Marbella e demandámos Granada.

 

 



 

Fotos: Marbella.

 

 

 

Todas as nossas anteriores tentativas para visitar o Allambra, não tinham tido sucesso. Sempre esgotado! Desta vez, reservámos tudo com bastante antecedência, não apenas os bilhetes (as visitas diárias são bastante limitadas!), mas também o alojamento, num hotel super-acolhedor, mesmo ali ao lado!

 

O Allambra é uma “pequena cidade” rodeada de muralhas, que inclui o castelo, treze torres, palácios, mesquitas, escolas, jardins e todos os serviços necessários ao monarca, à corte e aos restantes residentes. O seu funcionamento e defesa podiam ser autónomos, face a Granada.

 

Reflexo da cultura dos últimos anos do Reino Nasrida de Granada, o Allambra foi construído, na sua quase totalidade, entre 1248 e 1354, nos reinados de Maomé I e dos seus sucessores. Mais do que os exteriores, ou as soberbas vistas do topo de algumas torres, é a decoração dos interiores, com os seus arabescos, expoente ímpar da arte islâmica da época, que mais atrai e fascina. Sem prejuízo das visitas guiadas, vale a pena fazer algum “trabalho de casa”, para melhor compreender e desfrutar de um dia em pleno no Allambra!

 

Sem surpresa, todo o complexo faz parte da lista do Património da Humanidade, da UNESCO.

 

 


 


 














 

Fotos: Allambra.

 

 

Da primeira vez que tínhamos estado em Granada com a nossa filha, numas férias da Páscoa, apanhámos uma noite em que nevou bastante. O nevão foi de tal ordem, que abriu todos os noticiários matinais do dia seguinte! “Azar dos Távoras”, logo quando queríamos ir à Sierra Nevada!

 

Pelo sim, pelo não, questionei a recepção do hotel sobre o melhor caminho, até onde se poderia ir e se, ou quando, se poderia aceder a Pradollano, que fica já nos 2.600 metros de altitude… Achei que o recepcionista não tinha percebido bem o meu “castelhano” sofrível, pois disse-me que era só seguir as indicações, que a estrada estava toda bem sinalizada e era impossível perder-me… Mas, insisti, tinha nevado muito durante a noite… Sim! Tinha nevado imenso e a serra estava linda! De certeza que iríamos adorar!...

 

Ok! Não insisti mais…, e fizemo-nos à estrada…, que estava soberbamente bem sinalizada! Claro, não nos perdemos. A estrada também estava completamente limpa de neve, ainda que, mais próximo de Pradollano, a parede de neve ao lado do asfalto tivesse, em alguns pontos, quase dois metros de altura. Pois… Os serviços de limpeza de neve começam a trabalhar antes mesmo de a neve se acumular, mantendo os acessos sempre limpos. “Talqualmente” como os serviços congéneres da nossa Serra da Estrela…

 

 

 





 

Fotos: Sierra Nevada – Pradollano… Com neve!

 

 

 

Devo confessar que não sou fã de frio, nem de desportos de Inverno. Prefiro a montanha nos períodos menos frios, sem neve. As paisagens são diferentes e, também, fantásticas. A natureza mostra-se-nos de uma outra forma e conseguem-se percorrer trajectos que, com neve, são inacessíveis. Um desses trajectos míticos é a estrada entre Pradollano e Capileira, precisamente aqui, em plena Sierra Nevada. É a estrada a maior altitude da Europa, atingindo os 3.380 metros num desvio sem saída junto ao Pico Veleta (a segunda estrada mais alta da Europa (atinge os 2.830 metros) é a estrada do glaciar de Ötztal, nos Alpes austríacos).

 

Os ambientalistas radicais, contudo, interditaram-na em 1989… Um pouco acima dos 2.600 metros, próximo do posto da Guardia Civil de Pradollano, uma cancela bloqueava o acesso.

 

Tentei, várias vezes, desbloquear o tema com o Parque Natural da Sierra Nevada e com o Ayuntamento de Granada, mas sem sucesso... Tentei, também, a Guardia Civil, mas também sem sucesso... Tentei, até, a própria Embaixada de Espanha! Igualmente sem sucesso.

 

A minha proposta era a de que, ao invés de uma interdição cega e permanente, existisse um número limitado de dias, por ano, em que o trajecto estaria aberto a veículos particulares (“4x4”, por questões de segurança). Os veículos teriam de ser inscritos previamente (assim como os seus ocupantes), teriam data / hora de entrada e saída desse trajecto e, claro, pagariam uma portagem, cujo valor reverteria para o Parque Natural da Sierra Nevada.

 

Pode ser que um dia o bom senso regresse. Para já, a estrada está bloqueada com enormes pedregulhos! Se ocorrer um qualquer acidente na serra, uma ambulância tem de ir dar a volta a Granada, ou então, tem de se chamar um helicóptero!

 

Meia dúzia de anos mais tarde, também num período estival, percorreríamos uma pequena parte desse trajecto (o possível!), até aos 3.150 metros, a bordo de um mini-bus do “Servicio de Interpretación de Altas Cumbres”. Só nós os três e o guia, um indivíduo com um conhecimento enciclopédico de toda a serra e que, claro, também achava uma perfeita estupidez o encerramento daquela estrada, nos moldes em que tinha sido feito.

 

Junto ao Santuário da Virgen de las Nieves (obra do escultor Francisco López Burgos), ficámos tentados a, num qualquer ano, acompanharmos as “Fiestas patronales en honor de la Virgen de las Nieves” e a respectiva peregrinação. A devoção à Virgen de las Nieves tem a sua origem no século XVI e o ponto alto das celebrações consiste numa peregrinação noturna, desde Pradollano até aos Tajos de la Virgen, junto ao Pico Veleta. Sempre a subir, com o andor da Virgen de las Nieves aos ombros! Ao que consta, esta será a peregrinação Católica efectuada a maior altitude.

 

 

 



 

 

 

Fotos: Sierra Nevada… Sem neve!

 

 

 

Deixámos os 3.150 metros e regressámos a Pradollano, onde o “Pantera Negra” nos aguardava. Descemos a vertente Sul da Sierra Nevada, cruzando uma ou outra das povoações das  Alpujarras, rumo a Motril. Em menos de duas horas, e sem pressas, tínhamos descido 3.150 metros, até ao nível do mar!


 

 


 

 

Fotos: Vertente Norte da Sierra Nevada. Guedar-Sierra e Motril, já junto ao mar.

 

 

 

Seguimos ao longo da estrada costeira até à zona de Almería, onde faríamos a próxima base. À nossa direita, logo ali, o Mar Mediterrâneo… À nossa esquerda, entre a estrada e os contrafortes da Sierra Nevada, extensas zonas de estufas. Eram quilómetros e quilómetros de estufas! Nunca, até esse dia, nos tínhamos dado conta da dimensão das estufas desta zona de Espanha. Daqui saíam legumes e frutas para toda a Península Ibérica e Europa. Assombroso!

 

Entretanto, a paisagem ia mudando… Aproximávamo-nos do Desierto de Tabernas, ou Desierto de Almería. Trata-se do único deserto da Europa continental, na definição de menos de uma polegada de chuva por ano. Um cenário agreste, essencialmente rochoso (mas também com areia e dunas), com vegetação escassa e ressequida. Muito parecido, mutatis mutandis, com algumas paisagens do Sudoeste da América do Norte. 


Sérgio Leone rodou aqui alguns dos mais famosos “Western Spaghetti”, como “O bom, o mau e o vilão”, ou “Por um punhado de dólares”. Mas centenas de outros “Western Spaghetti” foram também aqui rodados, total ou parcialmente, entre 1960 e 1978.

 

Quando estava a preparar esta pequena viagem, procurei adquirir mapas para a zona do dito deserto… Pois! Nada… Aqui chegados, tentei localmente… Pois! Também nada… Explicaram-me depois os porquês da inexistência de mapas. As empresas que monopolizavam os passeios no Desierto de Tabernas, em veículos “4x4”, tinham feito um qualquer “arranjo” para que não existissem mapas à venda. E tinham sido eficazes!

 

Ainda assim, fizemos uns valentes quilómetros dentro dos domínios do deserto. Só que, sozinhos e sem mapas, não nos aventurámos muito para fora do que nos parecia ser os caminhos principais. Mesmo com GPS, tenho sempre que levar mapas "físicos", bússola e manter uma razoável ideia de onde estou... Manias de “Kota”!

 

Trazíamos também a recomendação de amigos, para que visitássemos o Parque Mini-Hollywood, entretanto rebaptizado de Parque Oasys.

 

O parque temático aproveitou os cenários da cidade de Yucca, com saloon, banco, e lojas, construídos para o filme “Por um punhado de dólares” e, posteriormente, reaproveitados para diversos outros filmes (e.g., “O bom, o mau e o vilão”), a que se acrescentou uma mina de ouro, uma zona de actividades infantis, um complexo de natação e um jardim zoológico. Além de tudo isto, os espectáculos com aves adestradas e o show de cowboys, garantem umas boas horas de entretenimento para toda a família.

 

 


 




 

Fotos: Desierto de Tabernas.

 

 

 

 

 














 

Fotos: Parque Oasys.

 

 

Almería é a cidade mais seca da Europa, cortesia do seu deserto, mesmo ali ao lado. Saímos cedo, portanto. Mas, mais do que deambular pelo usual de Almería (e.g., castelo mourisco, catedral), tínhamos alguma curiosidade pelo bairro cigano (e árabe) de La Chanca, mesmo ao lado do castelo. Em tempos, este bairro era também conhecido pelo “bairro das cavernas”! A verdade é que, ainda hoje, algumas famílias continuam a viver nessas pequenas casas, parcialmente escavadas na rocha das encostas do castelo.

 

Nas quase duas décadas de filmagens de westerns, os habitantes do bairro conseguiam algum rendimento pela participação nos filmes e o bairro, pelas suas características peculiares, até atraiu alguns artistas. Entretanto as dificuldades dos últimos anos fizeram regressar, em parte, o espectro de alguma da pobreza descrita por Juan Goytisolo no livro “La Chanca”.

 

Enfim… Um daqueles bairros para, de todo, não visitar sozinho à noite… e, mesmo durante o dia… evitar!

 

Parámos no Posto de Turismo para adquirir um mapa… e a minha mulher, inocentemente, deixou sair que queríamos visitar o bairro de La Chanca…

 

- ¡No! ¡Ni pienses! ¡Míralo solo desde las murallas de la alcazaba! – disparou, em voz alterada, a responsável do Posto de Turismo.

 

As coisas, ao que nos contaram, andavam mesmo complicadas nesses tempos. A Guarda Civil quase lá não entrava, os habitantes do bairro manifestavam alguma hostilidade face aos turistas e tinham-se já registado vários incidentes sérios… Bem, estávamos conversados quanto ao bairro de La Chanca!

 

Regressámos ao “Pantera Negra” e seguimos para o castelo. Como, em qualquer país, um veículo de matrícula estrangeira é bastante propenso a ser confundido com uma “ATM ambulante”, procuro sempre estacionar em parques vigiados. Pois! Nada de jeito onde se pudesse estacionar. Apenas um pequeno terreno baldio de mau aspecto, junto a uma das muralhas, com dois ou três carros e, exceptuando um padre, dois ou três mirones que não me inspiravam grande confiança…

 

Seguimos, contornando as muralhas. Passámos frente à entrada principal do castelo, mas, nada de parques de estacionamento. Continuámos… Afinal, teria de haver algures um estacionamento de serviço ao castelo!

 

Continuámos devagar… As ruas passaram a ruelas estreitas… A “arquitectura” tornou-se, de repente, muito diferente… Muitas crianças a brincar nas ruas, em todas as ruas, mas também muitos adultos ociosos, sentados nos passeios… Todos nos olhavam, curiosos e admirados…

 

Estávamos, mesmo, no meio do tal bairro de La Chanca!

 

Continuámos, devagar, mas com o ar possível de quem sabia para onde ia… Afinal, aquilo teria de ter uma saída! Só que o dédalo de ruelas estreitava cada vez mais…, e chegámos a um beco sem saída, mesmo junto à outra encosta do castelo, onde se viam algumas das tais habitações escavadas na rocha. Toca a fazer inversão de marcha… Acho que o “Pantera Negra” até encolheu, só para me facilitar a manobra!

 

Voltámos para trás, por outras ruelas que pareciam mais promissoras (para sair dali!) e, num ápice, entra uma pequena camionete à nossa frente… Lá seguimos com aquela “escolta” até que, ao lado de um pequeno jardim, a dita camioneta parou. Sai o motorista, que sobe para a caixa de carga e começa a levantar a lona traseira… Nos filmes, esta cena acaba quase sempre mal para quem está atrás! Mas aqui não. O senhor estava apenas a fazer o circuito de distribuição da manhã e, daquela caixa de carga, saíram envelopes grandes, sacos e malas, peças mecânicas diversas, uma mesa-de-cabeceira e outros móveis, etc.

 

Dez minutos depois, voltou a baixar a lona, pediu-nos desculpa pelo incómodo e seguiu à sua vida. E nós também!

 

Hoje, olhamos para este episódio com o sorriso e a graça que só o tempo permitem. Naquele dia, ainda para mais com a nossa filha no banco de trás, íamos bem apreensivos!

 

Não tirámos fotografias do bairro de La Chanca…

 

 

 



 

Fotos: Bairro de La Chanca (Fotografias retiradas da Internet (Fonte: http://www.wikipedia.com)).

 

 

 

Saímos de Almería sem nos determos mais e picámos os cavalos do “Pantera Negra” rumo a Córdoba.


A paisagem, ainda que agreste, é muito bonita. Mas, percorrer o Sul de Espanha faz-nos perceber o drama da falta de água e dos transvases fluviais. Um filme que não vai acabar bem, nem para Espanha, nem para o nosso país…

 

Córdoba é mais uma daquelas cidades carregadas de história, que pedem vários dias de visita. O seu Centro Histórico é Património da Humanidade pela UNESCO. Como em quase todas as povoações desta zona da Península Ibérica, o Homem de Neandertal também por aqui andou, mas foram os Romanos e os Árabes que lhe deram a maior projecção. No século X, Córdoba era a segunda maior cidade da Europa e um dos maiores centros de saber da Alta Idade Média. A reconquista Cristã ocorreu em 1236.

 

Da primeira vez que visitámos a cidade, fizemo-lo numas férias da Páscoa da nossa filha. Era a Semana Santa e Córdoba estava apinhada de gente e procissões religiosas. Chegar ao hotel era missão impossível, com quase todas as ruas cortadas ao trânsito. Quando perguntámos à Guardia Civil por um caminho alternativo…, olharam para nós com aquele ar complacente de quem diz… “estão lixados”…, mas foram expeditos e orientados para a solução!

 

“Depois da procissão passar, retirem (e voltem a colocar) os gradeamentos e sigam em frente. O acesso à garagem do vosso hotel fica a menos de cinquenta metros!”

 

Desta vez a cidade estava tranquila e pudemos visitar o Bairro Judeu e a Catedral com toda a calma.

 

A “Catedral de Nuestra Señora de la Asunción”, onde se celebra diariamente a Santa Missa, começou como igreja romana e, depois, visigótica. Era, então, a Basílica Cristã Católica de São Vicente. No século VIII, foi arrasada e no local construiu-se uma mesquita. Seguiram-se sucessivas ampliações e enriquecimentos arquitectónicos e decorativos. Quando da Reconquista Cristã, a mesquita foi reconvertida em catedral.

 

Os desenvolvimentos, remodelações e restauros dos séculos seguintes preservaram, na medida do possível em cada época, a estrutura e uma significativa parte da mesquita. A excepção deu-se já no século XVI, em que se construiu uma nave central dentro da antiga sala de orações… Conta-se que Carlos V terá desabafado, a esse propósito, que… “Destruíram algo único, para construírem algo comum”.

 

Opiniões à parte, A Catedral de Córdoba é um templo…, diferente e fascinante. De per se, vale a viagem. Ainda aproveitámos para também deambular pela cidade e pelo bairro judeu. Uma autêntica “aula”, esta cidade de Córdoba!

 

 

 
























Fotos: Córdoba.

 

 

 

 

Era tempo de rumar a Oeste, a terras Lusas. A apenas umas horas de viagem, sempre em auto-estrada, as águas algarvias esperavam por nós para mais uns dias de férias. Isso, e mandar revelar todos os rolos de fotografias que tínhamos tirado. A velhinha Nikon não tinha tido descanso!

  

 

        Luís de Matos

      (Junho de 2006)