Texto: Luís
de Matos
Fotos: Luís
de Matos, Maria José e Ana Sofia
---------------------------------------------------------------------
O Sul de Espanha, mesmo ali ao lado, sempre foi um alvo predilecto para os nossos passeios de curta duração. Quer aproveitando uma ou outra “ponte” com Feriados, quer aproveitando as férias de Natal, Carnaval e Páscoa da nossa filha, quer, claro, no período Estival…, anos houve em que por lá deambulámos por diversas vezes! E com muita repetição de locais… O Parque Natural de Doñana, então, deve ter o nosso recorde de visitas, seguido da Isla Mágica, em Sevilha. Mas também Granada e a zona da Sierra Nevada várias vezes nos atraíram.
Neste Verão
de 2006, resolvemos dar uma volta um pouco maior e seguir até ao Leste da
Andaluzia, na zona de Almería e do Desierto de Tabernas, que ainda não
conhecíamos.
Comme
d’habitude, começamos por rumar ao nosso velho conhecido Parque Natural de
Doñana que, ao que parece e ali, logo a seguir às Colunas de Hércules, terá
feito parte dos domínios terrestres da desaparecida Atlântida!
É sempre um
gosto revisitar este parque, declarado Património da Humanidade pela UNESCO em
1994. Visitámo-lo pela primeira vez, ainda a nossa filha não tinha nascido.
Depois disso, temos regressado com alguma regularidade e em diferentes épocas
do ano. Só nós os três, quase sempre, mas também com familiares e amigos de
longa data. Visitá-lo-íamos ainda mais umas quantas vezes nos anos seguintes!
Nas
estações mais secas, consegue-se fazer um percurso mais extenso. Nas estações
mais húmidas, alguns desses trajectos estão submersos com dois metros de água!
Na Primavera e no Outono (que é quando mais chove na zona!), claro, estamos num
outro mundo de luz e cor!
A área natural
de Doñana é considerada a maior reserva biológica da Espanha (e também da
Europa), com uma extensão de reserva protegida superior a 50.000 hectares.
Ponto crucial nas rotas de aves migratórias entre África e a Europa, é também o
último refúgio para muitas espécies ameaçadas de extinção. A paisagem é
fantástica, com florestas de pinheiros mansos e arbustos mediterrânicos nos
solos mais arenosos, a par de zonas pantanosas nos solos mais argilosos (que
escondem a tal Atlântida perdida!).
Horas
antes, um enorme veado tinha ficado preso, precisamente numa destas armadilhas
pantanosas da zona Norte. Os guias, para a devida “paz de espírito” da nossa
filha, garantiram-lhe que os serviços do parque o iriam libertar… O que, claro,
deu uma boa e acesa troca de ideias sobre o que o Ser Humano deve fazer neste
tipo de situações… Intervir? Não intervir?
Na zona Sul, os guias chamam sempre a atenção para as dunas móveis que transportam pinheiros, como se estes as…, cavalgassem! Mais do que a confiança cega na nossa memória pode provar, quando revemos fotografias de diferentes anos, tiradas mais ou menos nos mesmos sítios…, é notório esse movimento dunar, “com os pinheiros às costas”! Devo dizer que a zona Sul é a nossa preferida.
Fotos: Parque
Natural de Doñana.
Não são
permitidas viaturas particulares no Parque Natural de Doñana e o “Pantera
Negra”, claro, ficou no estacionamento. As visitas, sempre com guias, são
feitas a bordo de veículos da organização… Land Rover, claro está, mas também antigos
Pegaso e Mercedes Unimog, carroçados “à la mini-bus”. Grandes máquinas!
“Pantera
Negra” foi o nome com que a nossa filha baptizou o nosso Range Rover Classic,
há meia dúzia de anos atrás, quando ainda se deliciava com as histórias do
“Mogli, o filho da selva” e dos seus inseparáveis amigos, Balú, o urso, e
Baghera, a pantera negra!
Apenas às
populações autóctones é permitido viver e circular em Doñana. O equilíbrio não
é fácil.
Sentimo-nos
sempre tentados a, num qualquer ano, na segunda-feira seguinte ao domingo de
Pentecostes, nos juntarmos a uma das mais de cem Irmandades que integram a
Romaria da Virgem de El Rocío! Um dia, quem sabe…
Esta
peregrinação é um dos eventos religiosos que mais pessoas atraem em todo o país
(mais de um milhão!) e as suas origens perdem-se nos tempos da Reconquista
Cristã destes territórios, no final do século XIII.
As formas
mais típicas de fazer esta centenária peregrinação são… a pé, a cavalo, ou numa
carroça devidamente ornamentada. Sinais dos tempos, famílias em veículos 4x4
ligeiros passaram, também, a ser norma. Dorme-se ao ar livre, claro está.
Portanto, até se pode fazer um brilharete em termos de um…, “overland”
abençoado!
Rezam os
folhetos publicitários que…
“.. Na
noite de domingo de Pentecostes ninguém dorme, na expectativa de poder entrar
na igreja. E nos acampamentos, ao cair da noite, os peregrinos comem, bebem,
cantam e dançam. O som dos violões e pandeiros flamencos, levado pelo vento,
anima toda a noite...”
Para já e
peregrinações à parte, resolvemos pernoitar, precisamente, na povoação de El
Rocío!
Situada
mesmo ao lado (quase dentro!) de uma vasta zona alagada (diminuta no Verão), El
Rocío é um miradouro fantástico para as inúmeras espécies de aves aquáticas,
para as éguas e para o gado que, tranquilamente, vagueiam nas águas rasas.
Depois… Bem, depois, as suas ruas são em areia e a população desloca-se,
essencialmente, a cavalo! Fossem as casas de madeira…, e estaríamos, algures,
no Oeste longínquo!
Jantámos,
tarde como convém na Andaluzia, na praça defronte ao Hotel Toruño. Entretanto,
os “indígenas” iam passando, montados em belíssimos cavalos, ou refastelados em
carruagens abertas, restauradas a rigor. Sem desmontar (nem saírem das carruagens),
lá tomavam umas valentes canecas de final de dia que o pessoal do restaurante
lhes levava. Divinal!
Fotos: Povoação
de El Rocío. (As imagens da Romaria da Virgem de El Rocío foram retiradas da
Internet (Fonte: http://www.spain.info))
Deixámos El Rocío e o Parque Natural de Doñana e rumámos a Sevilha. Adoramos Sevilha e, claro, voltámos a percorrer as 35 rampas da Torre Giralda (construídas para que o sultão pudesse subir montado a cavalo). Iniciada como minarete de mesquita (inspirada na Mesquita Koutoubia, de Marrakech), a torre foi, mais tarde, concluída como campanário da Catedral de Sevilha.
Só que o destino era mesmo…, a Isla Mágica! Mais um daqueles “destinos” muitas vezes por nós visitados!
Construído
no espaço anteriormente ocupado pela “Expo 92”, abriu ao público em 1997.
Possui meia dúzia de áreas temáticas “ancoradas” na época dos descobrimentos
(espanhóis!) dos séculos XV e XVI, e consegue ser um daqueles parques com
dimensão e qualidade certas, e que não cansam!
Fotos: Sevilla.
Fotos: Sevilla
– Isla Mágica.
Revigorados
pelas brincadeiras da Isla Mágica e pelas noites de Sevilha, rumámos a Sul.
Noblesse
oblige, já tínhamos visitado bastantes vezes o Cabo da Roca, em Portugal, o
ponto mais ocidental da Europa Continental. Desta vez, iríamos levar o “Pantera
Negra” ao ponto mais meridional da dita Europa Continental… A Punta de Tarifa!
Ou Punta Marroqui, como também é conhecida (a costa de Marrocos "é já ali" e vê-se
perfeitamente!).
Não o imaginávamos então mas, cinco anos depois, no Verão de 2011, estaríamos a unir o Cabo da Roca (o tal ponto mais ocidental) com o Cabo Norte, na Noruega, o ponto mais setentrional da Europa Continental! Ainda menos imaginávamos que, outros cinco anos volvidos, na viagem à Rússia realizada no Verão de 2016, também levaríamos o “Pantera Negra” até ao centro geográfico dessa mesma Europa, em Suchowola, na Polónia!... O ponto mais oriental fica no meio da Cordilheira dos Urais… Mais propriamente, no Leste da República de Komi (da Federação Russa), numa área pantanosa situada entre os rios Malaia Usa e Malaia Shuchia, com as coordenadas N 67º 47’ e E 66º 17’… Ainda nos falta esse "Ponto Cardeal", portanto...
Só tinha
estado uma vez em Tarifa, no início dos anos noventa do século passado. Tinha
ido, com um colega da ENDESA, à Central Termoeléctrica de Los Barrios, para
analisarmos uns temas de sistemas de controlo e instrumentação para
precipitadores electrostáticos e, claro, no final dos dias aproveitámos para
visitar a zona! Só que, à época, a fortaleza da Isla de Tarifa (ligada ao
continente por uma pequena ponte) ainda desempenhava funções militares.
A fortaleza
da Punta de Tarifa, como seria de esperar, não permite a entrada de viaturas
particulares… Mas a Guardia Civil, quando fiz uma curta marcha-atrás na ponte
de sentido proibido, não viu. Ou então, percebeu que era apenas para uma rápida
e emblemática fotografia turística e, claro, fez uma didáctica “vista-grossa”!
Bem hajam!
Fotos: Punta
de Tarifa (A fotografia aérea foi retirada da Internet (Fonte: http://www.wikipedia.com)).
Estando na zona, uma visita ao rochedo de Gibraltar era imperdível.
Nessas tais
visitas de final de dia dos anos noventa, não cheguei a entrar em Gibraltar. O
clima entre Espanha e o Reino Unido não estava famoso e os cidadãos espanhóis
estavam proibidos de visitar o rochedo. Portanto, eu seria muito bem vindo a
Gibraltar, mas o meu colega espanhol teria de ficar na fronteira! Ainda nos
rimos todos, britânicos inclusive, da insanidade da medida, e voltámos para
trás.
A soberania
sobre Gibraltar é matéria de discórdia antiga entre o Reino Unido e Espanha. Em
referendo realizado em 1967, os gibraltinos rejeitaram liminarmente as
propostas de soberania espanhola. Em 2002, noutro referendo, rejeitaram também a
proposta espanhola de uma soberania partilhada com o Reino Unido.
Em 1462 o
primeiro Duke de Medina Sidónia, Don Juan Alonso de Guzmán, conquistou
Gibraltar ao Reino Nasrida de Granada. Dois séculos e meio depois, em 1704, durante
a Guerra da Sucessão Espanhola (com a reivindicação dos Habsburgos ao trono
espanhol), as forças anglo-holandesas conquistaram Gibraltar. No entanto, poucos anos
passados, em 1713, pela assinatura do Tratado de Utrecht, o território foi
cedido definitiva e perpetuamente à Grã-Bretanha. Em termos militares, durante
as invasões napoleónicas e durante a Segunda Guerra Mundial, Gibraltar foi uma
base importante para a Royal Navy, pois controlava a entrada e saída do Mar
Mediterrâneo. Com a abertura do Canal de Suez, em 1869, Gibraltar reforçou a
sua importância estratégica, também em termos comerciais. Aos dias de hoje,
pelas “Colunas de Hércules”, passa metade do valor de todo o comércio marítimo
mundial!
E voltámos a ficar barrados no acesso a Gibraltar!… Mas apenas
para vermos passar os aviões. É que a estrada de acesso ao rochedo cruza a
pista do aeroporto de Gibraltar.
Não nos
detivemos na pequena, mas sobrepovoada, cidade e subimos para o topo do
rochedo. Queríamos visitar os Túneis do Grande Cerco de Gibraltar (1779 – 1783),
uma das mais significativas maravilhas da engenharia militar em todo o
Mediterrâneo. Escavados pelos britânicos, “à pá e picatreta”, em apenas mês e
meio, este labirinto de túneis por onde se podiam movimentar tropas e canhões
foi determinante na vitória dos britânicos sobre as forças sitiantes, francesas
e espanholas.
Noblesse
oblige, não nos viemos embora sem uma volta pela Reserva Natural de Gibraltar (a
“Upper Rock Natural Reserve”) e sem umas quantas fotografias aos macacos da
Barbaria. Espécie nativa do Norte de Marrocos, estes são os únicos primatas que
vivem em estado “selvagem” na Europa, para além dos seres humanos, claro! São,
aqui, espécie super-protegida e todos estão identificados e catalogados. Até
porque, segundo reza a lenda…
“… Se os macacos um dia deixarem Gibraltar, os
britânicos também o farão!…”
Fotos: Gibraltar.
Gibraltar
pede, sempre, mais uns quantos dias de visita…
Entretanto,
deixámos as estradas rápidas do litoral e inflectimos para Nordeste, pelas
estradas interiores da Serrania de Ronda, rumo a… Ronda, para nós, uma das
povoações mais bonitas da Andaluzia! Alcantilada num promontório calcário e
rodeada de montanhas, a cidade está dividida pelo desfiladeiro do Rio
Gaudalevín, as “Gargantas de El Tajo”. Com um clima mais fresco, toda a cidade encanta e, mesmo que numa
visita rápida, locais como o “casco antiguo”, a Plaza de Toros, o Puente Nuevo
e, claro, El Tajo, são imperdíveis.
Na
Península Ibérica, Ronda é considerada o berço da moderna tauromaquia e a sua
Plaza de Toros, inaugurada em 1785, é uma das mais antigas de Espanha. Triunfar em Ronda é o sonho de todos os toureiros! Na primeira semana de Setembro decorre
a mais famosa das corridas, a Corrida Goyesca, em homenagem a Pedro Romero, o toureiro mais
"perfeito" da história. Os participantes vestem-se a rigor, com
roupas de época, ao estilo dos quadros de Goya.
Fotos: Ronda
O destino seguinte
era Granada, onde faríamos base para visitar o Allambra e a Sierra Nevada. Sem
nenhum motivo particular, a conversa a bordo do “Pantera Negra” recaiu sobre
Marbella e a temperatura das águas… Rumámos, pois a Sul… e fomos dar um
mergulho a Marbella!
Situada no
sopé da Sierra Blanca, Marbella é a referência espanhola em termos de povoações
/ resorts de turismo de luxo. Encantadora, calorosa e acolhedora, a cidade e a
sua envolvente seduz a todos os que a visitam. Deixámos para uma viagem
posterior as seduções de Marbella e demandámos Granada.
Fotos: Marbella.
Todas as
nossas anteriores tentativas para visitar o Allambra, não tinham tido sucesso. Sempre
esgotado! Desta vez, reservámos tudo com bastante antecedência, não apenas os
bilhetes (as visitas diárias são bastante limitadas!), mas também o alojamento,
num hotel super-acolhedor, mesmo ali ao lado!
O Allambra
é uma “pequena cidade” rodeada de muralhas, que inclui o castelo, treze torres,
palácios, mesquitas, escolas, jardins e todos os serviços necessários ao
monarca, à corte e aos restantes residentes. O seu funcionamento e defesa
podiam ser autónomos, face a Granada.
Reflexo da
cultura dos últimos anos do Reino Nasrida de Granada, o Allambra foi
construído, na sua quase totalidade, entre 1248 e 1354, nos reinados de Maomé I
e dos seus sucessores. Mais do que os exteriores, ou as soberbas vistas do topo
de algumas torres, é a decoração dos interiores, com os seus arabescos,
expoente ímpar da arte islâmica da época, que mais atrai e fascina. Sem prejuízo das visitas guiadas, vale a pena
fazer algum “trabalho de casa”, para melhor compreender e desfrutar de um dia
em pleno no Allambra!
Sem
surpresa, todo o complexo faz parte da lista do Património da Humanidade, da
UNESCO.
Fotos: Allambra.
Da primeira
vez que tínhamos estado em Granada com a nossa filha, numas férias da Páscoa,
apanhámos uma noite em que nevou bastante. O nevão foi de tal ordem, que abriu
todos os noticiários matinais do dia seguinte! “Azar dos Távoras”, logo quando
queríamos ir à Sierra Nevada!
Pelo sim,
pelo não, questionei a recepção do hotel sobre o melhor caminho, até onde se
poderia ir e se, ou quando, se poderia aceder a Pradollano, que fica já nos 2.600
metros de altitude… Achei que o recepcionista não tinha percebido bem o meu
“castelhano” sofrível, pois disse-me que era só seguir as indicações, que a
estrada estava toda bem sinalizada e era impossível perder-me… Mas, insisti,
tinha nevado muito durante a noite… Sim! Tinha nevado imenso e a serra estava
linda! De certeza que iríamos adorar!...
Ok! Não
insisti mais…, e fizemo-nos à estrada…, que estava soberbamente bem sinalizada!
Claro, não nos perdemos. A estrada também estava completamente limpa de neve,
ainda que, mais próximo de Pradollano, a parede de neve ao lado do asfalto
tivesse, em alguns pontos, quase dois metros de altura. Pois… Os serviços de
limpeza de neve começam a trabalhar antes mesmo de a neve se acumular, mantendo
os acessos sempre limpos. “Talqualmente” como os serviços congéneres da nossa
Serra da Estrela…
Fotos: Sierra
Nevada – Pradollano… Com neve!
Devo
confessar que não sou fã de frio, nem de desportos de Inverno. Prefiro a
montanha nos períodos menos frios, sem neve. As paisagens são diferentes e,
também, fantásticas. A natureza mostra-se-nos de uma outra forma e conseguem-se
percorrer trajectos que, com neve, são inacessíveis. Um desses trajectos
míticos é a estrada entre Pradollano e Capileira, precisamente aqui, em plena
Sierra Nevada. É a estrada a maior altitude da Europa, atingindo os 3.380 metros
num desvio sem saída junto ao Pico Veleta (a segunda estrada mais alta da
Europa (atinge os 2.830 metros) é a estrada do glaciar de Ötztal, nos Alpes
austríacos).
Os
ambientalistas radicais, contudo, interditaram-na em 1989… Um pouco acima dos
2.600 metros, próximo do posto da Guardia Civil de Pradollano, uma cancela
bloqueava o acesso.
Tentei,
várias vezes, desbloquear o tema com o Parque Natural da Sierra Nevada e com o
Ayuntamento de Granada, mas sem sucesso... Tentei, também, a Guardia Civil, mas
também sem sucesso... Tentei, até, a própria Embaixada de Espanha! Igualmente
sem sucesso.
A minha proposta
era a de que, ao invés de uma interdição cega e permanente, existisse um número
limitado de dias, por ano, em que o trajecto estaria aberto a veículos
particulares (“4x4”, por questões de segurança). Os veículos teriam de ser
inscritos previamente (assim como os seus ocupantes), teriam data / hora de
entrada e saída desse trajecto e, claro, pagariam uma portagem, cujo valor
reverteria para o Parque Natural da Sierra Nevada.
Pode ser
que um dia o bom senso regresse. Para já, a estrada está bloqueada com enormes
pedregulhos! Se ocorrer um qualquer acidente na serra, uma ambulância tem de ir
dar a volta a Granada, ou então, tem de se chamar um helicóptero!
Meia dúzia
de anos mais tarde, também num período estival, percorreríamos uma pequena
parte desse trajecto (o possível!), até aos 3.150 metros, a bordo de um
mini-bus do “Servicio de Interpretación de Altas Cumbres”. Só nós os três e o
guia, um indivíduo com um conhecimento enciclopédico de toda a serra e que,
claro, também achava uma perfeita estupidez o encerramento daquela estrada, nos
moldes em que tinha sido feito.
Junto ao
Santuário da Virgen de las Nieves (obra do escultor Francisco López Burgos),
ficámos tentados a, num qualquer ano, acompanharmos as “Fiestas patronales en
honor de la Virgen de las Nieves” e a respectiva peregrinação. A devoção à
Virgen de las Nieves tem a sua origem no século XVI e o ponto alto das
celebrações consiste numa peregrinação noturna, desde Pradollano até aos Tajos
de la Virgen, junto ao Pico Veleta. Sempre a subir, com o andor da Virgen de
las Nieves aos ombros! Ao que consta, esta será a peregrinação Católica
efectuada a maior altitude.
Fotos: Sierra
Nevada… Sem neve!
Deixámos os
3.150 metros e regressámos a Pradollano, onde o “Pantera Negra” nos aguardava.
Descemos a vertente Sul da Sierra Nevada, cruzando uma ou outra das povoações
das Alpujarras, rumo a Motril. Em menos
de duas horas, e sem pressas, tínhamos descido 3.150 metros, até ao nível do
mar!
Fotos: Vertente Norte da Sierra Nevada. Guedar-Sierra e Motril, já junto ao mar.
Seguimos ao
longo da estrada costeira até à zona de Almería, onde faríamos a próxima base.
À nossa direita, logo ali, o Mar Mediterrâneo… À nossa esquerda, entre a
estrada e os contrafortes da Sierra Nevada, extensas zonas de estufas. Eram
quilómetros e quilómetros de estufas! Nunca, até esse dia, nos tínhamos dado
conta da dimensão das estufas desta zona de Espanha. Daqui saíam legumes e
frutas para toda a Península Ibérica e Europa. Assombroso!
Entretanto, a paisagem ia mudando… Aproximávamo-nos do Desierto de Tabernas, ou Desierto de Almería. Trata-se do único deserto da Europa continental, na definição de menos de uma polegada de chuva por ano. Um cenário agreste, essencialmente rochoso (mas também com areia e dunas), com vegetação escassa e ressequida. Muito parecido, mutatis mutandis, com algumas paisagens do Sudoeste da América do Norte.
Sérgio Leone rodou aqui
alguns dos mais famosos “Western Spaghetti”, como “O bom, o mau e o vilão”, ou
“Por um punhado de dólares”. Mas centenas de outros “Western Spaghetti” foram também
aqui rodados, total ou parcialmente, entre 1960 e 1978.
Quando
estava a preparar esta pequena viagem, procurei adquirir mapas para a zona do
dito deserto… Pois! Nada… Aqui chegados, tentei localmente… Pois! Também nada…
Explicaram-me depois os porquês da inexistência de mapas. As empresas que
monopolizavam os passeios no Desierto de Tabernas, em veículos “4x4”, tinham
feito um qualquer “arranjo” para que não existissem mapas à venda. E tinham
sido eficazes!
Ainda assim,
fizemos uns valentes quilómetros dentro dos domínios do deserto. Só que,
sozinhos e sem mapas, não nos aventurámos muito para fora do que nos parecia
ser os caminhos principais. Mesmo com GPS, tenho sempre que levar mapas "físicos", bússola e manter uma razoável ideia de onde estou... Manias de “Kota”!
Trazíamos
também a recomendação de amigos, para que visitássemos o Parque Mini-Hollywood,
entretanto rebaptizado de Parque Oasys.
O parque
temático aproveitou os cenários da cidade de Yucca, com saloon, banco, e lojas,
construídos para o filme “Por um punhado de dólares” e, posteriormente,
reaproveitados para diversos outros filmes (e.g.,
“O bom, o mau e o vilão”), a que se acrescentou uma mina de ouro, uma zona de
actividades infantis, um complexo de natação e um jardim zoológico. Além de
tudo isto, os espectáculos com aves adestradas e o show de cowboys, garantem umas
boas horas de entretenimento para toda a família.
Fotos: Desierto
de Tabernas.
Fotos: Parque
Oasys.
Almería é a
cidade mais seca da Europa, cortesia do seu deserto, mesmo ali ao lado. Saímos
cedo, portanto. Mas, mais do que deambular pelo usual de Almería (e.g., castelo mourisco, catedral),
tínhamos alguma curiosidade pelo bairro cigano (e árabe) de La Chanca, mesmo ao
lado do castelo. Em tempos, este bairro era também conhecido pelo “bairro das
cavernas”! A verdade é que, ainda hoje, algumas famílias continuam a viver
nessas pequenas casas, parcialmente escavadas na rocha das encostas do castelo.
Nas quase
duas décadas de filmagens de westerns, os habitantes do bairro conseguiam algum
rendimento pela participação nos filmes e o bairro, pelas suas características
peculiares, até atraiu alguns artistas. Entretanto as dificuldades dos últimos
anos fizeram regressar, em parte, o espectro de alguma da pobreza descrita por Juan
Goytisolo no livro “La Chanca”.
Enfim… Um
daqueles bairros para, de todo, não visitar sozinho à noite… e, mesmo durante o
dia… evitar!
Parámos no
Posto de Turismo para adquirir um mapa… e a minha mulher, inocentemente, deixou
sair que queríamos visitar o bairro de La Chanca…
- ¡No! ¡Ni pienses! ¡Míralo solo desde las murallas de la alcazaba! –
disparou, em voz alterada, a responsável do Posto de Turismo.
As coisas,
ao que nos contaram, andavam mesmo complicadas nesses tempos. A Guarda Civil
quase lá não entrava, os habitantes do bairro manifestavam alguma hostilidade
face aos turistas e tinham-se já registado vários incidentes sérios… Bem,
estávamos conversados quanto ao bairro de La Chanca!
Regressámos
ao “Pantera Negra” e seguimos para o castelo. Como, em qualquer país, um
veículo de matrícula estrangeira é bastante propenso a ser confundido com uma
“ATM ambulante”, procuro sempre estacionar em parques vigiados. Pois! Nada de
jeito onde se pudesse estacionar. Apenas um pequeno terreno baldio de mau
aspecto, junto a uma das muralhas, com dois ou três carros e, exceptuando um
padre, dois ou três mirones que não me inspiravam grande confiança…
Seguimos,
contornando as muralhas. Passámos frente à entrada principal do castelo, mas,
nada de parques de estacionamento. Continuámos… Afinal, teria de haver algures um
estacionamento de serviço ao castelo!
Continuámos
devagar… As ruas passaram a ruelas estreitas… A “arquitectura” tornou-se, de
repente, muito diferente… Muitas crianças a brincar nas ruas, em todas as ruas,
mas também muitos adultos ociosos, sentados nos passeios… Todos nos olhavam,
curiosos e admirados…
Estávamos,
mesmo, no meio do tal bairro de La Chanca!
Continuámos,
devagar, mas com o ar possível de quem sabia para onde ia… Afinal, aquilo teria
de ter uma saída! Só que o dédalo de ruelas estreitava cada vez mais…, e
chegámos a um beco sem saída, mesmo junto à outra encosta do castelo, onde se
viam algumas das tais habitações escavadas na rocha. Toca a fazer inversão de
marcha… Acho que o “Pantera Negra” até encolheu, só para me facilitar a
manobra!
Voltámos
para trás, por outras ruelas que pareciam mais promissoras (para sair dali!) e,
num ápice, entra uma pequena camionete à nossa frente… Lá seguimos com aquela “escolta”
até que, ao lado de um pequeno jardim, a dita camioneta parou. Sai o motorista,
que sobe para a caixa de carga e começa a levantar a lona traseira… Nos filmes,
esta cena acaba quase sempre mal para quem está atrás! Mas aqui não. O senhor
estava apenas a fazer o circuito de distribuição da manhã e, daquela caixa de
carga, saíram envelopes grandes, sacos e malas, peças mecânicas diversas, uma
mesa-de-cabeceira e outros móveis, etc.
Dez minutos
depois, voltou a baixar a lona, pediu-nos desculpa pelo incómodo e seguiu à sua
vida. E nós também!
Hoje,
olhamos para este episódio com o sorriso e a graça que só o tempo permitem.
Naquele dia, ainda para mais com a nossa filha no banco de trás, íamos bem
apreensivos!
Não tirámos
fotografias do bairro de La Chanca…
Fotos: Bairro
de La Chanca (Fotografias retiradas da Internet (Fonte: http://www.wikipedia.com)).
Saímos de
Almería sem nos determos mais e picámos os cavalos do “Pantera Negra” rumo a
Córdoba.
A paisagem,
ainda que agreste, é muito bonita. Mas, percorrer o Sul de Espanha faz-nos
perceber o drama da falta de água e dos transvases fluviais. Um filme que não
vai acabar bem, nem para Espanha, nem para o nosso país…
Córdoba é
mais uma daquelas cidades carregadas de história, que pedem vários dias de
visita. O seu Centro Histórico é Património da Humanidade pela UNESCO. Como em quase todas as povoações desta zona da Península Ibérica, o Homem de Neandertal
também por aqui andou, mas foram os Romanos e os Árabes que lhe deram a maior
projecção. No século X, Córdoba era a segunda maior cidade da Europa e um dos maiores
centros de saber da Alta Idade Média. A reconquista Cristã ocorreu em 1236.
Da primeira
vez que visitámos a cidade, fizemo-lo numas férias da Páscoa da nossa filha. Era
a Semana Santa e Córdoba estava apinhada de gente e procissões religiosas.
Chegar ao hotel era missão impossível, com quase todas as ruas cortadas ao
trânsito. Quando perguntámos à Guardia Civil por um caminho alternativo…,
olharam para nós com aquele ar complacente de quem diz… “estão lixados”…, mas
foram expeditos e orientados para a solução!
“Depois da
procissão passar, retirem (e voltem a colocar) os gradeamentos e sigam em
frente. O acesso à garagem do vosso hotel fica a menos de cinquenta metros!”
Desta vez a
cidade estava tranquila e pudemos visitar o Bairro Judeu e a Catedral com toda
a calma.
A “Catedral
de Nuestra Señora de la Asunción”, onde se celebra diariamente a Santa Missa,
começou como igreja romana e, depois, visigótica. Era, então, a Basílica Cristã
Católica de São Vicente. No século VIII, foi arrasada e no local construiu-se
uma mesquita. Seguiram-se sucessivas ampliações e enriquecimentos
arquitectónicos e decorativos. Quando da Reconquista Cristã, a mesquita foi reconvertida
em catedral.
Os
desenvolvimentos, remodelações e restauros dos séculos seguintes preservaram,
na medida do possível em cada época, a estrutura e uma significativa parte da
mesquita. A excepção deu-se já no século XVI, em que se construiu uma nave
central dentro da antiga sala de orações… Conta-se que Carlos V terá
desabafado, a esse propósito, que… “Destruíram
algo único, para construírem algo comum”.
Opiniões à
parte, A Catedral de Córdoba é um templo…, diferente e fascinante. De per se, vale a viagem. Ainda
aproveitámos para também deambular pela cidade e pelo bairro judeu. Uma
autêntica “aula”, esta cidade de Córdoba!
Fotos: Córdoba.
Era tempo
de rumar a Oeste, a terras Lusas. A apenas umas horas de viagem, sempre em
auto-estrada, as águas algarvias esperavam por nós para mais uns dias de
férias. Isso, e mandar revelar todos os rolos de fotografias que tínhamos
tirado. A velhinha Nikon não tinha tido descanso!
Luís de Matos
(Junho de 2006)