Texto:
Luís de Matos
Fotos: Luís
de Matos e Maria José Lopes
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Foto: Trajecto.
Uma volta
pela Bretanha e Normandia, com as ”obrigatórias” visitas a Saint-Malo e ao Mont
Saint-Michel, estava pensada desde há muito. Inclusive, tinha um “road-book”
preparado desde 2011! Entretanto os anos foram passando e, surgiram sempre
outros destinos. A bordo do “Pantera Negra”, fez-se uma viagem ao Cabo Norte,
outra pelos Alpes, outra pela Islândia, outra até à Rússia… e só este ano de
2017, aproveitando os feriados de Abril e Maio, se retomou a ideia da Bretanha
e da Normandia.
Onde
viável, privilegiámos as estradas secundárias de enorme beleza (e as
estradinhas locais!). Subimos pela Aquitânia e País do Loire, seguindo depois
para a Bretanha e Normandia. Um passeio muito focado no lado histórico e
cultural destas zonas de França. Um passeio de “Kotas”, como diria a nossa
filha. É que, tirando os miúdos das escolas, em visitas de estudo bem organizadas,
acho que éramos sistematicamente dos visitantes mais “jovens” em todos os
locais em que estivemos!
As lendas
sobre o mago Merlin e o Rei Artur impregnam os bosques e as falésias desta
região do noroeste francês. Lendária e misteriosa, muito ligada à sua herança artística,
folclórica, linguística e aos mitos do seu imaginário arturiano, a Bretanha
bilingue, de costas escarpadas e coração verde, fascina poderosamente todo o
visitante. Mesmo ao lado, a Normandia é diferente. Mas não muito.
Vasculhando
nos velhos livros de história e em toda a colectânea das “Aventuras de Astérix,
o gaulês”, ficamos a saber que, depois da conquista da Gália pelos Romanos, a
Bretanha passou a fazer parte da Armórica. Mas cerca de 500 D.C., os Bretões da
ilha da Bretanha (a Grã-Bretanha actual), atacados pelos Anglo-Saxões,
emigraram para o “continente”, trazendo os seus costumes e língua. A região
passou a designar-se Bretanha. Muitos designam-na também de Pequena Bretanha,
por oposição à ilha de onde vieram. No início da Idade Média, a Bretanha acabou
dividida em três reinos - o Domnonée, a Cornualha e o Bro Waroch - que foram depois
incorporados no Ducado da Bretanha, o qual se manteve independente do reino de
França até 1532. Mais ainda… Perdida que foi a independência para o reino,
conseguiu mesmo assim guardar os seus mais importantes privilégios (legislação
e impostos próprios) até à Revolução Francesa!
Anos mais
tarde, é a história recente da primeira metade do século XX que mais nos
preenche a memória. A Batalha da Normandia, cujo nome de código era Operação
Overlord, foi a invasão das forças dos Estados Unidos, Reino Unido, França
Livre, Canadá e outros aliados na França ocupada pelos alemães na Segunda
Guerra Mundial em 1944. Estendeu-se até um pouco mais a Leste, à Normandia. Foi
a maior invasão marítima da história, com quase três milhões de soldados a
cruzarem o Canal da Mancha, partindo de vários portos e campos de aviação em
Inglaterra.
Todos os europeus, a começar pelos jovens, deveriam
visitar as praias do desembarque. Talvez percebessem melhor a história recente
e se evitassem muitos disparates de política internacional…
Visita
cultural, portanto! Já no regresso, nada como incluir também uma incursão
"rápida" por Le Mans e pelo seu "Musée de 24 heures du
Mans" e, já em Bordéus, retocar o banho de cultura… na "Cité du
Vin".
Bonne voyage!!!
Et voilà! Et c'est parti!
Saímos
relativamente cedo, comme d’habitude,
para ainda aproveitarmos um mergulho retemperador de final de tarde em
Biarritz. Não nas águas do Golfo da Biscaia (ainda estávamos em Abril e a
insanidade tem limites!), mas na piscina aquecida, ao ar livre, no roof top do hotel.
Sinais
dos tempos… Polícia e exército na fronteira. Filas de quilómetros, claro… Mas
que se “despacharam” rapidamente. Contávamos com polícia e exército um pouco
por todo o lado mas, com excepção do Mont Saint-Michel (um dos destinos top do país), a sua presença era
discreta.
Apesar de
ter sempre sido para nós, pouco mais do que uma “escala” nas nossas viagens,
onde temos conseguido aproveitar magníficos finais e inícios de dia, Biarritz
encanta-nos e, um dia destes não deixaremos de a desfrutar com (muito!) mais
tempo. Com um passado de prestígio, a vila de pescadores e agricultores, soube
tirar partido da presença do Imperador Napoleão III e de sua esposa, a
Imperatriz Eugénia (que a baptizou de “Vila Eugénia”), passando a ser
frequentada pela realeza e pelos nomes sonantes do mundo artístico. Já na
segunda metade do século XX, com as filmagens de “E agora brilha o Sol” (1957) e um estranho desporto, originário do
Hawai, que o argumentista Peter Viertel ali começou a praticar…, Biarritz
transformou-se na “Meca” europeia do Surf. Ainda não conheciam a Nazaré…
Foto: Fronteira de Espanha com França.
Fotos: Biarritz.
Retemperados
depois de mais esta “escala”, prosseguimos viagem, deixando a visita a Bordéus
para o regresso e rumámos para Norte, para La Rochelle. A partir da povoação de
Saintes, eram trajectos novos para nós. Entrávamos nos reinos dos muitos
“romances de capa e espada”, histórias de marinharia e aventuras de piratas,
que eram lidos e relidos na nossa meninice e juventude. Sem falar num contínuo
roteiro de ostras au naturel, que já
havíamos iniciado em Biarritz!
Começámos
pela ilha de Ré, uma espécie de pequeno paraíso francês na costa atlântica. É a
quarta maior ilha de França, depois da Córsega, da ilha de Oléron e da
Belle-île. Desde há quase três décadas ligada a La Rochelle por uma ponte (com
portagem!), a ilha é hoje um destino de eleição para férias, com quilómetros de
praias, uma mão-cheia de pequenas povoações plenas de ruelas floridas, casinhas
bem conservadas, ruínas monásticas e militares e portos de abrigo para a
náutica profissional e de recreio (com destaque para os portos de Saint-Martin
e de La Flotte). Imperdível também é o farol das Baleines, na ponta Oeste.
Maior
porto francês da costa atlântica até ao século XV e romanceada por Alexandre
Dumas, que ali fixou alguns episódios marcantes de “D’Artagnan e os três Mosqueteiros”, a cidade histórica de La
Rochelle e o seu porto estratégico, viveram eras dramáticas com as disputas
entre ingleses e franceses. Fundada no século X, foi cidade de Plantagenetas,
foi a principal base dos Templários na costa atlântica, viveu as agruras da
“Guerra dos cem anos” e, depois, as das guerras religiosas dos tempos do
Cardeal Richelieu e das rebeliões dos Huguenotes…, até à ocupação alemã durante
a Segunda Guerra Mundial (em que foi a última cidade francesa a ser libertada).
Uma
cidade encantadora e carregada de história, com uma zona antiga bem conservada,
por onde dá gosto deambular. Detém a que é considerada a maior marina para
embarcações de recreio da Europa, a marina de “Les Minimes”.
Ainda nos
dirigimos às instalações do porto de águas profundas de La Pallice, o principal
porto de La Rochelle, na esperança de podermos visitar alguma parte da antiga
base de submarinos, construída pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Os
acessos estão interditos, por questões de segurança, dizem-nos… É pena, pois
trata-se de um património histórico de significativa relevância, que merecia
ser visitável. Ainda para mais, dadas as tradições marítimas e de actividades
submarinas da cidade (e.g., em 1864 o
primeiro submarino de propulsão mecânica, o “Plongeur”, realizou aqui os seus
primeiros mergulhos)!
Ficámos apenas
com as memórias de 1981, em que a base serviu de cenário a cenas do filme
alemão "A odisseia do submarino 96"
e do filme americano "Indiana Jones
e os salteadores da arca perdida".
Fotos: La Rochelle.
Deixámos
La Rochelle e subimos a costa, entre o Atlântico e o Marais de Poitevin.
Dizem-nos que aqui se comem as melhores “pommes-frites”
do mundo, devido ao efeito da água salgada nos terrenos. Não sabemos se são as
melhores do mundo, mas que são uma coisa “do outro mundo”, lá isso são!
Chegámos
à “Passage du Gois” – Ligação entre Noirmoutier-en-l’Île e o continente, antes
de almoço.
“Se passarem agora, vai ser uma aventura memorável! Lá à frente tem
quatro metros de água... Mas isso tem ‘snorkel’, não é?” – Assim gozavam
connosco dois franceses muito bem dispostos quando, já próximo da praia-mar,
parámos o “Pantera Negra” junto à água, apenas para umas fotografias.
Estávamos
junto ao início, do lado do continente, da passagem do Gois, que faz a ligação
à ilha de Noirmoutier. Nos dois dedos de conversa que se seguiram, entre o “de onde vêem e para onde vão”, etc., também não se cansaram de nos
alertar para aquela estrada, que só pode ser atravessada na baixa-mar (entre
uma hora e meia antes e depois da maré-baixa) e que, quase todos os anos,
reclama vítimas e vários carros que se deixam enganar pela rapidez e amplitude
da subida das marés, especialmente na altura das “marés-vivas”! Existem
inclusive várias torres de socorro, para as pessoas subirem em caso de serem
apanhadas pela rápida subida das águas. Ah! E estávamos, precisamente, na
altura das ditas “marés-vivas”…
A estrada
em si, à parte ser bastante escorregadia, não oferece qualquer dificuldade.
Está bem sinalizada e razoavelmente bem pavimentada (tanto quanto pode!). Tinha
lido há uns anos, penso que numa edição antiga da National Geographic, um
artigo interessante sobre esta passagem histórica que, face outras do género
que existem por esse mundo fora, parece que é a mais comprida, com cerca de
quatro quilómetros e meio. Passou a figurar na nossa “lista” de trajectos a
realizar quando os bons ventos nos trouxessem para estas paragens! Trazíamos,
claro, as tabelas de marés e as duas baixas-mar seguintes eram ao quarto para as
dez da noite e às dez da manhã do dia seguinte. Assim, percorremos o trajecto
três vezes... De noite, após o jantar... e de dia, quando deixámos a ilha e
rumámos mais a Norte.
Desde
1971 que a ponte de Noirmoutier, que também utilizámos, é uma mais-valia para a
zona. A utilização da passagem do Gois, essa, remonta ao ano 600 da nossa Era,
mas sendo apenas referenciada em mapas pela primeira vez em 1701. A ilha, de per se, é interessante e vale a visita.
Com bastante história marítima, vive hoje essencialmente do turismo e das
culturas de ostras (magníficas!) e da apanha de outros bivalves.
Estávamos
em dia de eleições presenciais. Mas quem não soubesse, nem se aperceberia… Ali,
no “fim-do-mundo” da costa atlântica, aparentemente não era tema. Mas foi
curiosa a conversa com a dona do alojamento em que ficámos. Estava a aproveitar
a época baixa para melhorar os jardins e a piscina…
“França não pode continuar assim! Não é sustentável.”, dizia-nos a
senhora. “Ninguém quer trabalhar a sério
neste país. Os tipos que aqui andam, nunca começam a trabalhar antes das dez!
Fazem intervalo a meio da manhã e da tarde, prolongam a hora de almoço e…, às
quatro da tarde, piram-se! Por isso é que o Macron vai ganhar e a Marine tem
estes resultados!”… e continuou a desbobinar!
Fez uma
análise perfeita da situação francesa actual, dos resultados anteriores, de
quem ia ganhar e porquê… E, ao final do dia, bateu tudo certo!
Saímos
por forma a poder atravessar mais uma vez a passagem do Gois, agora na
baixa-mar da manhã e continuámos para Norte, rumo a Carnac. Ah! E ainda não
tinha chegado ninguém das obras…
Depois de
uma breve paragem para lavar alguma água salgada que tivesse saltado para o
“Pantera Negra”, ponderámos um desvio até à base de submarinos de Saint
Nazaire, para visitarmos o submarino “Espadon”, similar ao nosso “Barracuda” (visitável
na doca de Cacilhas). Mas mudámos de ideias e deixámos a eventual visita para o
modelo que serviu a nossa Marinha de Guerra… Além do mais, há dois anos, em
Nova Iorque, já tínhamos visitado o submarino “Growler” (mais ou menos da mesma
época), atracado junto ao porta-aviões “Intrepid”. Seguimos, portanto, para
Carnac.
Mais do
que pelas praias, povoação e porto, Carnac é conhecida pelos seus conjuntos
megalíticos, essencialmente os alinhamentos de menires de Menec (os mais
conhecidos), de Kermario e de Kerlescan.
Contam-se
mais de três mil pedras (entre alinhamentos, dólmenes e menires isolados)
talhadas das rochas locais e erguidas durante o período Neolítico pelos povos
pré-Celtas, já sedentários, constituindo o maior conjunto do género em todo o
mundo. A sua datação aponta para o período de 4500 A.C. a 3300 A.C. As razões e
os porquês permanecem um mistério. Certezas, quase nenhumas. Hipóteses,
bastantes… Aponta-se para que possam ter sido parte de um enorme e complexo
espaço cerimonial Neolítico, com zonas processionais, zonas fechadas de
celebração, túmulos… Enfim, um pequeno paraíso para os investigadores da
pré-história.
Uma pena que
a “Maison des Mégalithes”, o centro de interpretação de toda a área, estivesse
em obras e semi-encerrada.
Seguimos depois
para a floresta de Paimpont, ou de Brocéliande, a tal floresta mítica das
lendas medievais do Rei Artur, onde o dito e os seus “Cavaleiros da Távola
Redonda”, o mago Merlin, a “Dama do Lago” e as feiticeiras Viviane e Morgana,
se uniram, desuniram e degladiaram nas eternas lutas entre o bem e o mal. Terá
sido também aqui que o dito mago Merlin terá chegado à sua última morada… Claro
que, de há três décadas e tal a esta parte, outros estudos das lendas medievais
tiveram de vir contestar a localização da floresta de Brocéliande aqui, na
floresta de Paimpont, colocando-a mais a Norte, próximo do Mont Saint-Michel…
Nada como
preparar a visita, revendo filmes como “Os cavaleiros da Távola Redonda” (1953),
ou “Excalibur” (1981)! A floresta é bonita e envolvente, com muitos caminhos…
privados. Lamentável que alguns dos locais simbólicos (e.g., os carvalhos de Guillotin e de Hindrés, as fontes de
juventude e de Barenton, o jardim dos monges, os túmulos de Merlin, do gigante
e dos druidas), ainda que devidamente assinalados, não estejam mais bem
cuidados.
Deu
também para deixar um pouco o asfalto e atravessar, por caminhos florestais (os
raros abertos ao público), alguns campos de grande beleza.
Gostámos
também da povoação e da Abadia de Notre-Dame de Paimpont, que remonta ao ano 630.
Já não visitámos o Château de Trécesson.
Seguimos,
no dia seguinte, para a milenar Rennes, a “capital” da Bretanha, cujas origens
remontam a dois milénios, quando foi fundada por Gauleses. Nos dias que correm,
a cidade assumiu-se como um importante pólo tecnológico e universitário, sendo
referência na inovação digital em França.
Da cidade
medieval, pouco chegou até nós, depois do grande incêndio de 1720, que a
destruiu quase completamente. No entanto a zona antiga está genericamente bem
preservada e mantém habitações seculares, com estruturas de madeira, em pleno e
continuado uso, apesar das necessidades evidentes de manutenção cara! Notam-se,
aliás, as “dificuldades financeiras” na recuperação e cuidado das muralhas
antigas, nomeadamente na zona das portas Mordelaises. A seu tempo! Entretanto,
estamos na Bretanha e aqui não é terra de vinhos…, mas de cervejas. Excelentes
cervejas artesanais, que rivalizam com as melhores cervejas belgas!
Deixámos Rennes e continuámos para Dinan, uma das jóias da arquitectura medieval e uma das mais bem preservadas pequenas cidades. Absolutamente imperdível! Estamos na Bretanha profunda.
Como o
tempo, instável nesta época do ano, prenunciava uma tarde soalheira, já não
fomos a Cancale (a “capital das ostras”!) e seguimos directamente para Saint-Malo,
"la cité corsaire".
Adorámos
Saint-Malo! É uma daquelas cidades únicas. Pela sua história, pela sua
arquitectura, pela sua localização, pela sua gastronomia, pelas suas gentes,
pela sua “atmosfera”… Uma cidade mágica! Numa era em que toda a gente quer ser
“independente” (e vai correr mal!), ainda vamos ver uns quantos povos a
inspirarem-se nas tradições independentistas de Saint-Malo que, no final do
século XVI (entre 1590 e 1593), afrontou a Bretanha e a França ao proclamar a
independência! “Pas français! Pas breton!
Toujours Maoulin!”
E claro,
fazemos a devida vénia à cuidada reconstrução levada a cabo após o quase total
arrasamento da cidade na Segunda Guerra Mundial.
Haviam-nos
também recomendado que, na cidade murada, deixássemos sempre o carro em zonas
altas e afastadas do mar, muito especialmente na altura das “marés-vivas”, como
era o caso. Confirmámos in loco os
banhos de mar que as ondas conseguiam dar a alguns parques de estacionamento.
Mas conseguimos um hotel com garagem, onde o “Pantera Negra” fez sucesso… Por
quase não caber no portão e pelo gosto e conhecimento que o recepcionista
evidenciava por aqueles veículos. Uma simpática e amena “cavaqueira” depois, e
estávamos instalados no quarto com melhores vistas sobre a cidade e o porto, e
com uma lista de coisas a fazer, ver e visitar (sem esquecer o “La Java”, o
melhor bar da cidade, com uma decoração que mais parecia um museu de bonecas!)…
E sem esquecer uma sublime degustação de ostras, de várias proveniências (onde
pontificavam, claro, as de Cancale!) e onde voltámos a eleger…, as da
Escócia. Guardámos, prudentemente, a
preferência desta nossa degustação… seulement
pour nois mêmes…
Entretanto…,
a edição de 2017 do “Rally Optic 2000” de automóveis antigos (na estrada entre
24 e 29 de Abril) tinha-se iniciado, no dia anterior, com a exposição dos
veículos no Grand Palais de Paris. Esta edição contemplava, pela primeira vez,
uma passagem por terras da Bretanha… No dia seguinte, os concorrentes deixaram
Paris e seguiram para Saint-Malo, de onde depois partiriam para as etapas de
Nantes, Limoges, Toulouse e, finalmente, Biarritz.
Portanto,
o “Pantera Negra” entrou na cidade murada de Saint-Malo no meio de veículos do
rally. Só não tinha os auto-colantes…
Acho que,
ainda hoje, a ala feminina não acredita que tudo isto não foi planeado…
De manhã,
antes mesmo de nos dirigirmos ao Mont Saint-Michel, ainda fizemos um pequeno
desvio pela histórica e igualmente bem preservada Saint-Briac-sur-Mer, com
passagem pela torre Solidor, seguindo a sugestão do super simpático e animado
grupo de participantes do rally que jantaram na mesa ao nosso lado.
O Mont
Saint-Michel, de seu nome completo “Mont
Saint-Michel au péril de la mer”, já se encontra nos territórios da actual
Normandia. O primeiro santuário foi mandado edificar pelo Bispo Saint-Aubert,
de Avranches, no ano 708, em honra das três aparições do Arcanjo São Miguel,
tornando-se, desde então, num importante local de peregrinação do mundo
Cristão. Ao longo dos séculos foi sendo ampliado até se tornar na mais
carismática abadia Beneditina, em estilo gótico, do mundo. Uma abadia, dentro
de uma fortaleza inexpugnável que resistiu sempre aos ataques dos ingleses
durante a “Guerra dos cem anos”, o Mont Saint-Michel é também um exemplo de
arquitectura militar e, claro, um lugar simbólico de identidade nacional!
A baía do
Mont Saint-Michel tem também a maior amplitude de marés da Europa continental, cerca
de 15 metros!
Depois de
Paris, é o local mais visitado de França e toda a zona faz parte da lista de
Património da Humanidade, da UNESCO. Uma comunidade monástica mantém aqui uma
presença espiritual permanente.
De per se, vale toda a viagem!
Deixámos
o Mont Saint-Michel ao início da tarde e dirigimo-nos a Avranches, Sainte-Mère-Église
e Azeville. Mudávamos o registo, mais para os temas do “Desembarque aliado na
Normandia”, dividido por cinco praias:
- Utah beach (entre
Pouppeville e La Madeleine);
- Omaha beach (entre
Sainte-Honorine-des-Pertes e Vierville-sur-Mer);
- Gold beach (Arromanches-les-Bains);
- Juno beach (de
Courseulles-sur-Mer a Saint-Aubin-sur-Mer);
- Sword beach (de
Saint-Aubin-sur-Mer a Ouistreham).
Não nos
detivemos em Avranches (a batalha pela libertação de Avranches iniciou-se em 31
de Julho de 1944, liderada pelo General George S. Patton) e seguimos
directamente para Sainte-Mère-Église, que foi tomada de assalto na madrugada de
6 de Junho de 1944 por pára-quedistas norte-americanos. Mas por erro, pois eram
para ter sido largados mais junto à costa, atrás das defesas alemãs! O número
de baixas do lado das forças aliadas foi elevado. Dois dos pára-quedistas
caíram sobre a igreja e um deles, o soldado John Steele, ficou suspenso no campanário
durante horas. O incidente é admiravelmente transposto para a “sétima arte” em
cenas do filme "O dia mais longo", de 1962, com "estrelas"
como John Wayne, Robert Ryan e Richard Burton (o soldado John Steele foi
interpertrado por Red Buttons).
O museu
militar, focado nas tropas aerotransportadas, é magnífico e muito bem
estruturado, como aliás todos os museus sobres estes temas que tivemos
oportunidade de visitar.
Próximo
de Sainte-Mère-Église, as baterias de Azeville são, muito provavelmente, o
melhor e mais bem preservado complexo de artilharia de defesa de costa alemão,
em toda a Normandia e Bretanha.
Pernoitámos
em Bayeux, a primeira cidade libertada, um dia após o "Dia D", tendo
sido poupada às destruições da guerra.
Dá o seu
nome à famosa Tapeçaria de Bayeux, que documenta a história da conquista da
Inglaterra pelos Normandos. São setenta metros de comprimento, por meio metro
de altura, de tapeçaria...
“… Em 1064, o Rei Edward de Inglaterra envia
Harold à Normandia, com o intuito de confirmar a William que este lhe sucederá
no trono. Mas, com a morte de Edward em 1066, Harold usurpa o trono. William dá
combate a Harold, derrotando-o na Batalha de Hastings, a 14 de Outubro de
1066…”
… tudo
bordado com uma perfeição fabulosa.
O museu,
que não se limita à tapeçaria, tinha nessa manhã muitos visitantes jovens, de
escolas e liceus, em visitas de estudo. Deu gosto ver o nível de preparação
dessas visitas. Não apenas vários professores sempre presentes a explicarem e a
esclarecer dúvidas, como também material de estudo, com informação, desenhos,
fotografias e questões, muitas questões, que faziam os miúdos andarem de
estátua em estátua, de artefacto em artefacto, de pintura em pintura, qual
“rally paper de museu”, a procurarem as respostas. Gostámos!
A
Tapeçaria de Bayeux faz parte da lista do Património da Humanidade, da UNESCO,
e quase que ofusca outras jóias históricas e arquitectónicas da cidade, como
por exemplo, a Catedral de Notre-Dame de Bayeux.
Não
podíamos deixar de visitar também o Museu da Batalha da Normandia onde, de uma
forma cronológica diária, se ilustra o que foi a batalha que mudou o rumo da
história.
Seguimos
depois para Arromanches-les-Bains, a “Gold beach” da Operação Overlord. Esta
pequena vila recebeu um dos dois portos artificiais “Mullberry” (ou outro foi
construído na praia “Omaha beach” (entre Sainte-Honorine-des-Pertes e
Vierville-sur-Mer)), que foram utilizados para o desembarque de tropas e
equipamento sem que se tivesse de esperar pela reconquista de portos de águas
profundas, como Cherbourg ou Le Havre.
Os portos artificiais “Mullberry” baseavam-se em enormes caixões
flutuantes, em betão (construídos na Grã-Bretanha e rebocados através do Canal
da Mancha), ligados entre si, e por pontões ligados a terra por passadiços
flutuantes. Em três meses e meio, passaram neste porto dois milhões e meio de
soldados, quinhentos mil veículos e quatro milhões de toneladas de material
diverso!
Partes
deste porto artificial ainda hoje podem ser vistas, encalhadas na praia.
Imperdível
também, é o Museu do Desembarque, que consegue transmitir uma ideia muito
precisa dos equipamentos, sistemas e operações. Consegui também aqui encontrar
um DVD com o filme “O dia mais longo”, de 1962. Provavelmente o melhor filme que
alguma vez se produziu sobre o “Desembarque aliado na Normandia”.
Continuámos
para Ranville, a primeira povoação libertada pelas forças "Aliadas", no
próprio dia "D", 6 de Junho de 1944, pelo "British 13th
Parachute Battalion", sob o comando do Lieutenant-Colonel Peter Luard. A
crucial ponte Pegasus original já se encontra no museu, tendo sido substituída
por uma réplica funcional que, claro, atravessámos.
Replico
aqui o que escrevi no início deste artigo…
“… Todos os europeus, a começar pelos jovens, deveriam visitar as praias
do desembarque. Talvez percebessem melhor a história recente e se evitassem
muitos disparates de política internacional…”
Não
visitámos tudo, claro. Apenas alguns dos pontos principais. O tema pede uma
visita de vários dias ou mesmo semanas… Ainda assim, permitiu-nos “revisitar” a
história, percebê-la melhor e sentir um pouco mais profundamente o que todo
aquele recente teatro de guerra significou e continua a significar, para a
Europa e para o mundo.
Mudámos
assim o “registo”, voltando mais ao estilo de passeio
“não-tão-visita-de-estudo”. Mantivémo-nos nas estradinhas locais e seguimos
para a “Outra Riviéra”, a “Costa Florida”. Deambulámos por Tourgeville, Deuville (a 'Rainha' das praias da Normandia!), Trouville-sur-Mer
e Honfleur, encantadora, com um porto do século XVII e a maior igreja de
madeira de França, a igreja de Sainte-Catherine. Levávamos na memória as
igrejas de madeira que havíamos visitado na Noruega… Pois, não tem nada a ver.
São estilos e realidades completamente diferentes.
Noblesse oblige,
cruzámos a “Ponte da Normandia” e demos uma volta rápida por Le Havre, cujo
centro integra a Lista de Património da Humanidade, da UNESCO. Dominada pelo
porto, o segundo maior do país, depois do de Marselha, Le Havre não nos
encantou por aí além… Provavelmente, não a soubemos apreciar devidamente.
Fotos: Tourgeville.
Fotos: Deuville e Trouville-sur-Mer.
Fotos: Honfleur.
Fotos: Ponte da Normandia e Le Havre.
Tendo
estado em Rennes, a “capital” da Bretanha, Rouen, a “capital” da Normandia, foi
visita obrigatória.
A cidade
onde morreu Joana D’Arc foi uma das maiores e mais prósperas cidades da Europa
medieval. As suas origens remontam aos Celtas, altura em que terá sido um
entreposto comercial. Com os romanos passou a ser uma das suas praças-fortes da
região e, com a queda do Império, conheceu a regência de vários povos
“bárbaros” até se tornar uma colónia viking. Depois de muito pelejar com os vikings
e perceber que não os conseguiria conter, o Rei franco Carlos, o “Simples”,
negociou com o chefe viking Rollo a entrega de Rouen e terras adjacentes… Em
troca, Rollo, para além de se converter ao Catolicismo, não só não avançaria
sobre Paris, como defenderia o vale do rio Sena de outras invasões… Assim, no
ano 911, pelo tratado de Saint-Clair-sur-Epte, Rouen tornou-se a capital do que
se passou a chamar Ducado da Normandia…, onde os vikings eram “amigos”. E o
nome “Normandia” lá ficou…
Rica em
história, Rouen é hoje uma cidade virada para o turismo, onde é muito agradável
perdermo-nos por ruas e ruelas, por praças e monumentos, museus, igrejas e,
claro, pela Catedral de Notre-Dame, mais uma obra-prima da arquitectura gótica.
Se a
Bretanha é fenomenal, a Normandia não se lhe fica atrás!
Iniciávamos
a viagem de regresso… No final do dia já ficámos em Bordéus, mas em caminho, o
apelo de uma visita a Le Mans era irresistível!
As “24
Horas de Le Mans”, que se disputa anualmente, desde 1923, no “Circuito de La
Sarthe”, é uma das mais emblemáticas corridas de automóveis do mundo. Para
muitos, esta prova de resistência é mesmo a maior corrida do planeta!
Como
parte do circuito utiliza estradas nacionais, nada como passear o “Pantera
Negra” pelo dito! Este ponto da viagem tinha mesmo sido “preparado”, e o staff de Le Mans simpaticamente
tinha-nos enviado todas as indicações necessárias…
"…
Vous pourrez rouler sur une partie du circuit des 24H du Mans, car ce circuit
est en partie composé de routes nationales. Il suffit de suivre la direction de
Mulsanne, puis au rond point à l’entrée de Mulsanne, prenez sur la droite,
direction Arnage, puis au STOP prenez à droite. Après avoir longé la ligne droite
des stands vous trouverez le Musée des 24h sur votre droite. Comptez une
dizaine de minutes pour faire ce parcours. Je tiens à vous préciser que la
limitation de vitesse sur cette route est de 90 km/h maximum..."
Cumprimos
os limites de velocidade!
Assim, às
passagens (às vezes diárias!) por alguns dos troços do antigo “Circuito de
Monsanto” (em Lisboa!) e do “Circuito do Mónaco”…, juntámos ao curriculum o “Circuito de La Sarthe”!
Soube mesmo bem! Coisas de “petrol heads”!
A
incursão por Le Mans não ficaria completa sem uma visita ao “Museu das 24 horas
de Les Mans”. Para além das exposições temporárias, em permanência estão mais
de uma centena de veículos míticos que nos contam a história da “maior corrida
de resistência do mundo” e, também, um pouco da história do automóvel.
Imperdível!
A partir
daqui, o trajecto voltava a ser nosso conhecido. Chegámos a Bordéus a tempo de
uma passeio vespertino e de um jantar tardio na “La Mama”, a mais antiga
pizaria da cidade. Ficámos na dúvida se o procedimento faria parte da
preparação de jovens ciclistas, candidatos ao “Tour”…, mas as entregas de pizas
eram feitas… em bicicleta…
Bordéus é
a quinta maior cidade de França. Em quase todas as nossas viagens anteriores,
foi apenas ponto de passagem. Desta vez, dedicámos-lhe dois dias. Recomenda-se!
A zona
antiga da cidade faz parte da lista de Património da Humanidade, da UNESCO.
Depois de Paris, é a cidade com o maior número de edifícios históricos, bem
preservados, em toda a França!
Com
origens nos tempos dos Celtas, é um centro de comércio desde há séculos. Contudo,
Bordéus é hoje mais conhecida pelos vinhos. É a “capital do vinho” e, claro,
não deixámos os nossos créditos por mãos alheias numa visita demorada à “Cité
du Vin”.
A cultura
da vinha foi aqui introduzida no século I, pelos romanos. Hoje, os números
impressionam, com mais de cento e sessenta mil hectares de vinhas e uma
produção anual de mil milhões de garrafas! Alguns dos melhores “néctares” do
mundo, são daqui…
. Château
Lafite-Rothschild;
. Château
Margaux;
. Château
Latour;
. Château
Haut-Brion;
. Château
Mouton-Rothschild…
…
perdições! Até a tasca “menos nobre” serve bons vinhos nesta terra!
Para
complementar o nosso encanto com Bordéus, a cidade deve ter sabido da nossa
visita e o “ACSO – Automobile Club du Sud-Ouest” decidiu comemorar os seus 120
anos de existência, brindando-nos com um evento especial… Nada mais, nada menos,
do que um “Concours d’ellegance en automobile”. Um desfile de (muito!)
bom-gosto! Só para registo de “memória futura”, os prémios entregues (na
categoria de “Veículos de colecção”) foram os seguintes:
1º Prémio de Excelência… Rochet-Schneider (1897)
2º Prémio de Excelência… Panhard CD (1964)
3º Prémio de Excelência… Mercedes 190 SL (1962)
Prémio do júri…................. Facel Vega HK500 (1959)
Prémio especial…............. Bugatti T57 Stelvio (1936)
Havia
também uma categoria de “Veículos de prestígio”, mais actuais, onde
pontificavam os Mercedes GTS AMG, os Maserati Ghibli, os Aston Martin DB 11, os
Jaguar F-Type, os Audi R8… e coisas do género. Só faltou mesmo um Range Rover
Classic…
Mais uma
vez…, acho que, ainda hoje, a ala feminina não acredita que tudo isto não foi devidamente
planeado…
Fotos: Bordéus (algumas fotografias dos premiados, na categoria de "Veículos de Colecção", foram retiradas da INTERNET).
Ainda
tempo para nos “abastecermos” de queijos, numa lojinha que era uma autêntica
“perdição”… E pronto, rumámos ao tal “centro do mundo”, em Abrantes, uma cidade
acolhedora que remonta aos tempos dos Celtas e que hoje, num país pequeno como
o nosso, está próxima de tudo!
Merci!!!
Luís de Matos
(Maio de 2017)