segunda-feira, 8 de maio de 2017

Pelas brumas misteriosas da Bretanha e Normandia...




Texto: Luís de Matos
Fotos: Luís de Matos e Maria José Lopes

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Foto: Trajecto.


Uma volta pela Bretanha e Normandia, com as ”obrigatórias” visitas a Saint-Malo e ao Mont Saint-Michel, estava pensada desde há muito. Inclusive, tinha um “road-book” preparado desde 2011! Entretanto os anos foram passando e, surgiram sempre outros destinos. A bordo do “Pantera Negra”, fez-se uma viagem ao Cabo Norte, outra pelos Alpes, outra pela Islândia, outra até à Rússia… e só este ano de 2017, aproveitando os feriados de Abril e Maio, se retomou a ideia da Bretanha e da Normandia.

Onde viável, privilegiámos as estradas secundárias de enorme beleza (e as estradinhas locais!). Subimos pela Aquitânia e País do Loire, seguindo depois para a Bretanha e Normandia. Um passeio muito focado no lado histórico e cultural destas zonas de França. Um passeio de “Kotas”, como diria a nossa filha. É que, tirando os miúdos das escolas, em visitas de estudo bem organizadas, acho que éramos sistematicamente dos visitantes mais “jovens” em todos os locais em que estivemos!

As lendas sobre o mago Merlin e o Rei Artur impregnam os bosques e as falésias desta região do noroeste francês. Lendária e misteriosa, muito ligada à sua herança artística, folclórica, linguística e aos mitos do seu imaginário arturiano, a Bretanha bilingue, de costas escarpadas e coração verde, fascina poderosamente todo o visitante. Mesmo ao lado, a Normandia é diferente. Mas não muito.

Vasculhando nos velhos livros de história e em toda a colectânea das “Aventuras de Astérix, o gaulês”, ficamos a saber que, depois da conquista da Gália pelos Romanos, a Bretanha passou a fazer parte da Armórica. Mas cerca de 500 D.C., os Bretões da ilha da Bretanha (a Grã-Bretanha actual), atacados pelos Anglo-Saxões, emigraram para o “continente”, trazendo os seus costumes e língua. A região passou a designar-se Bretanha. Muitos designam-na também de Pequena Bretanha, por oposição à ilha de onde vieram. No início da Idade Média, a Bretanha acabou dividida em três reinos - o Domnonée, a Cornualha e o Bro Waroch - que foram depois incorporados no Ducado da Bretanha, o qual se manteve independente do reino de França até 1532. Mais ainda… Perdida que foi a independência para o reino, conseguiu mesmo assim guardar os seus mais importantes privilégios (legislação e impostos próprios) até à Revolução Francesa!

Anos mais tarde, é a história recente da primeira metade do século XX que mais nos preenche a memória. A Batalha da Normandia, cujo nome de código era Operação Overlord, foi a invasão das forças dos Estados Unidos, Reino Unido, França Livre, Canadá e outros aliados na França ocupada pelos alemães na Segunda Guerra Mundial em 1944. Estendeu-se até um pouco mais a Leste, à Normandia. Foi a maior invasão marítima da história, com quase três milhões de soldados a cruzarem o Canal da Mancha, partindo de vários portos e campos de aviação em Inglaterra.

Todos os europeus, a começar pelos jovens, deveriam visitar as praias do desembarque. Talvez percebessem melhor a história recente e se evitassem muitos disparates de política internacional…

Visita cultural, portanto! Já no regresso, nada como incluir também uma incursão "rápida" por Le Mans e pelo seu "Musée de 24 heures du Mans" e, já em Bordéus, retocar o banho de cultura… na "Cité du Vin".





Bonne voyage!!!






















Et voilà! Et c'est parti!  



Saímos relativamente cedo, comme d’habitude, para ainda aproveitarmos um mergulho retemperador de final de tarde em Biarritz. Não nas águas do Golfo da Biscaia (ainda estávamos em Abril e a insanidade tem limites!), mas na piscina aquecida, ao ar livre, no roof top do hotel.

Sinais dos tempos… Polícia e exército na fronteira. Filas de quilómetros, claro… Mas que se “despacharam” rapidamente. Contávamos com polícia e exército um pouco por todo o lado mas, com excepção do Mont Saint-Michel (um dos destinos top do país), a sua presença era discreta.

Apesar de ter sempre sido para nós, pouco mais do que uma “escala” nas nossas viagens, onde temos conseguido aproveitar magníficos finais e inícios de dia, Biarritz encanta-nos e, um dia destes não deixaremos de a desfrutar com (muito!) mais tempo. Com um passado de prestígio, a vila de pescadores e agricultores, soube tirar partido da presença do Imperador Napoleão III e de sua esposa, a Imperatriz Eugénia (que a baptizou de “Vila Eugénia”), passando a ser frequentada pela realeza e pelos nomes sonantes do mundo artístico. Já na segunda metade do século XX, com as filmagens de “E agora brilha o Sol” (1957) e um estranho desporto, originário do Hawai, que o argumentista Peter Viertel ali começou a praticar…, Biarritz transformou-se na “Meca” europeia do Surf. Ainda não conheciam a Nazaré…






Foto: Fronteira de Espanha com França.












Fotos: Biarritz.




Retemperados depois de mais esta “escala”, prosseguimos viagem, deixando a visita a Bordéus para o regresso e rumámos para Norte, para La Rochelle. A partir da povoação de Saintes, eram trajectos novos para nós. Entrávamos nos reinos dos muitos “romances de capa e espada”, histórias de marinharia e aventuras de piratas, que eram lidos e relidos na nossa meninice e juventude. Sem falar num contínuo roteiro de ostras au naturel, que já havíamos iniciado em Biarritz!

Começámos pela ilha de Ré, uma espécie de pequeno paraíso francês na costa atlântica. É a quarta maior ilha de França, depois da Córsega, da ilha de Oléron e da Belle-île. Desde há quase três décadas ligada a La Rochelle por uma ponte (com portagem!), a ilha é hoje um destino de eleição para férias, com quilómetros de praias, uma mão-cheia de pequenas povoações plenas de ruelas floridas, casinhas bem conservadas, ruínas monásticas e militares e portos de abrigo para a náutica profissional e de recreio (com destaque para os portos de Saint-Martin e de La Flotte). Imperdível também é o farol das Baleines, na ponta Oeste.

















Fotos: La Rochelle - Ilha de Ré.



Maior porto francês da costa atlântica até ao século XV e romanceada por Alexandre Dumas, que ali fixou alguns episódios marcantes de “D’Artagnan e os três Mosqueteiros”, a cidade histórica de La Rochelle e o seu porto estratégico, viveram eras dramáticas com as disputas entre ingleses e franceses. Fundada no século X, foi cidade de Plantagenetas, foi a principal base dos Templários na costa atlântica, viveu as agruras da “Guerra dos cem anos” e, depois, as das guerras religiosas dos tempos do Cardeal Richelieu e das rebeliões dos Huguenotes…, até à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial (em que foi a última cidade francesa a ser libertada).

Uma cidade encantadora e carregada de história, com uma zona antiga bem conservada, por onde dá gosto deambular. Detém a que é considerada a maior marina para embarcações de recreio da Europa, a marina de “Les Minimes”.

Ainda nos dirigimos às instalações do porto de águas profundas de La Pallice, o principal porto de La Rochelle, na esperança de podermos visitar alguma parte da antiga base de submarinos, construída pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Os acessos estão interditos, por questões de segurança, dizem-nos… É pena, pois trata-se de um património histórico de significativa relevância, que merecia ser visitável. Ainda para mais, dadas as tradições marítimas e de actividades submarinas da cidade (e.g., em 1864 o primeiro submarino de propulsão mecânica, o “Plongeur”, realizou aqui os seus primeiros mergulhos)!

Ficámos apenas com as memórias de 1981, em que a base serviu de cenário a cenas do filme alemão "A odisseia do submarino 96" e do filme americano "Indiana Jones e os salteadores da arca perdida".









  












Fotos: La Rochelle.












Fotos: La Rochelle - Antiga base de submarinos, no porto de La Pallice (as duas últimas fotografias foram retiradas da INTERNET).




Deixámos La Rochelle e subimos a costa, entre o Atlântico e o Marais de Poitevin. Dizem-nos que aqui se comem as melhores “pommes-frites” do mundo, devido ao efeito da água salgada nos terrenos. Não sabemos se são as melhores do mundo, mas que são uma coisa “do outro mundo”, lá isso são!

Chegámos à “Passage du Gois” – Ligação entre Noirmoutier-en-l’Île e o continente, antes de almoço.

Se passarem agora, vai ser uma aventura memorável! Lá à frente tem quatro metros de água... Mas isso tem ‘snorkel’, não é?” – Assim gozavam connosco dois franceses muito bem dispostos quando, já próximo da praia-mar, parámos o “Pantera Negra” junto à água, apenas para umas fotografias.

Estávamos junto ao início, do lado do continente, da passagem do Gois, que faz a ligação à ilha de Noirmoutier. Nos dois dedos de conversa que se seguiram, entre o “de onde vêem e para onde vão”, etc., também não se cansaram de nos alertar para aquela estrada, que só pode ser atravessada na baixa-mar (entre uma hora e meia antes e depois da maré-baixa) e que, quase todos os anos, reclama vítimas e vários carros que se deixam enganar pela rapidez e amplitude da subida das marés, especialmente na altura das “marés-vivas”! Existem inclusive várias torres de socorro, para as pessoas subirem em caso de serem apanhadas pela rápida subida das águas. Ah! E estávamos, precisamente, na altura das ditas “marés-vivas”…

A estrada em si, à parte ser bastante escorregadia, não oferece qualquer dificuldade. Está bem sinalizada e razoavelmente bem pavimentada (tanto quanto pode!). Tinha lido há uns anos, penso que numa edição antiga da National Geographic, um artigo interessante sobre esta passagem histórica que, face outras do género que existem por esse mundo fora, parece que é a mais comprida, com cerca de quatro quilómetros e meio. Passou a figurar na nossa “lista” de trajectos a realizar quando os bons ventos nos trouxessem para estas paragens! Trazíamos, claro, as tabelas de marés e as duas baixas-mar seguintes eram ao quarto para as dez da noite e às dez da manhã do dia seguinte. Assim, percorremos o trajecto três vezes... De noite, após o jantar... e de dia, quando deixámos a ilha e rumámos mais a Norte.

Desde 1971 que a ponte de Noirmoutier, que também utilizámos, é uma mais-valia para a zona. A utilização da passagem do Gois, essa, remonta ao ano 600 da nossa Era, mas sendo apenas referenciada em mapas pela primeira vez em 1701. A ilha, de per se, é interessante e vale a visita. Com bastante história marítima, vive hoje essencialmente do turismo e das culturas de ostras (magníficas!) e da apanha de outros bivalves.

Estávamos em dia de eleições presenciais. Mas quem não soubesse, nem se aperceberia… Ali, no “fim-do-mundo” da costa atlântica, aparentemente não era tema. Mas foi curiosa a conversa com a dona do alojamento em que ficámos. Estava a aproveitar a época baixa para melhorar os jardins e a piscina…

França não pode continuar assim! Não é sustentável.”, dizia-nos a senhora. “Ninguém quer trabalhar a sério neste país. Os tipos que aqui andam, nunca começam a trabalhar antes das dez! Fazem intervalo a meio da manhã e da tarde, prolongam a hora de almoço e…, às quatro da tarde, piram-se! Por isso é que o Macron vai ganhar e a Marine tem estes resultados!”… e continuou a desbobinar!


Fez uma análise perfeita da situação francesa actual, dos resultados anteriores, de quem ia ganhar e porquê… E, ao final do dia, bateu tudo certo!

Saímos por forma a poder atravessar mais uma vez a passagem do Gois, agora na baixa-mar da manhã e continuámos para Norte, rumo a Carnac. Ah! E ainda não tinha chegado ninguém das obras…
























Fotos: Ilha de Noirmoutier - Passagem do Gois.






































  


Fotos: Ilha de Noirmoutier (a última fotografia foi retirada da INTERNET).


Depois de uma breve paragem para lavar alguma água salgada que tivesse saltado para o “Pantera Negra”, ponderámos um desvio até à base de submarinos de Saint Nazaire, para visitarmos o submarino “Espadon”, similar ao nosso “Barracuda” (visitável na doca de Cacilhas). Mas mudámos de ideias e deixámos a eventual visita para o modelo que serviu a nossa Marinha de Guerra… Além do mais, há dois anos, em Nova Iorque, já tínhamos visitado o submarino “Growler” (mais ou menos da mesma época), atracado junto ao porta-aviões “Intrepid”. Seguimos, portanto, para Carnac.

Mais do que pelas praias, povoação e porto, Carnac é conhecida pelos seus conjuntos megalíticos, essencialmente os alinhamentos de menires de Menec (os mais conhecidos), de Kermario e de Kerlescan.

Contam-se mais de três mil pedras (entre alinhamentos, dólmenes e menires isolados) talhadas das rochas locais e erguidas durante o período Neolítico pelos povos pré-Celtas, já sedentários, constituindo o maior conjunto do género em todo o mundo. A sua datação aponta para o período de 4500 A.C. a 3300 A.C. As razões e os porquês permanecem um mistério. Certezas, quase nenhumas. Hipóteses, bastantes… Aponta-se para que possam ter sido parte de um enorme e complexo espaço cerimonial Neolítico, com zonas processionais, zonas fechadas de celebração, túmulos… Enfim, um pequeno paraíso para os investigadores da pré-história.

Uma pena que a “Maison des Mégalithes”, o centro de interpretação de toda a área, estivesse em obras e semi-encerrada.
























Fotos: Carnac.



Seguimos depois para a floresta de Paimpont, ou de Brocéliande, a tal floresta mítica das lendas medievais do Rei Artur, onde o dito e os seus “Cavaleiros da Távola Redonda”, o mago Merlin, a “Dama do Lago” e as feiticeiras Viviane e Morgana, se uniram, desuniram e degladiaram nas eternas lutas entre o bem e o mal. Terá sido também aqui que o dito mago Merlin terá chegado à sua última morada… Claro que, de há três décadas e tal a esta parte, outros estudos das lendas medievais tiveram de vir contestar a localização da floresta de Brocéliande aqui, na floresta de Paimpont, colocando-a mais a Norte, próximo do Mont Saint-Michel…

Nada como preparar a visita, revendo filmes como “Os cavaleiros da Távola Redonda” (1953), ou “Excalibur” (1981)! A floresta é bonita e envolvente, com muitos caminhos… privados. Lamentável que alguns dos locais simbólicos (e.g., os carvalhos de Guillotin e de Hindrés, as fontes de juventude e de Barenton, o jardim dos monges, os túmulos de Merlin, do gigante e dos druidas), ainda que devidamente assinalados, não estejam mais bem cuidados.

Deu também para deixar um pouco o asfalto e atravessar, por caminhos florestais (os raros abertos ao público), alguns campos de grande beleza.

Gostámos também da povoação e da Abadia de Notre-Dame de Paimpont, que remonta ao ano 630. Já não visitámos o Château de Trécesson.

























Fotos: Paimpont e zona da floresta de Brocéliande.



Seguimos, no dia seguinte, para a milenar Rennes, a “capital” da Bretanha, cujas origens remontam a dois milénios, quando foi fundada por Gauleses. Nos dias que correm, a cidade assumiu-se como um importante pólo tecnológico e universitário, sendo referência na inovação digital em França.

Da cidade medieval, pouco chegou até nós, depois do grande incêndio de 1720, que a destruiu quase completamente. No entanto a zona antiga está genericamente bem preservada e mantém habitações seculares, com estruturas de madeira, em pleno e continuado uso, apesar das necessidades evidentes de manutenção cara! Notam-se, aliás, as “dificuldades financeiras” na recuperação e cuidado das muralhas antigas, nomeadamente na zona das portas Mordelaises. A seu tempo! Entretanto, estamos na Bretanha e aqui não é terra de vinhos…, mas de cervejas. Excelentes cervejas artesanais, que rivalizam com as melhores cervejas belgas!

Deixámos Rennes e continuámos para Dinan, uma das jóias da arquitectura medieval e uma das mais bem preservadas pequenas cidades. Absolutamente imperdível! Estamos na Bretanha profunda.






















Fotos: Rennes.
























  

  








Fotos: Dinan.


Como o tempo, instável nesta época do ano, prenunciava uma tarde soalheira, já não fomos a Cancale (a “capital das ostras”!) e seguimos directamente para Saint-Malo, "la cité corsaire".

Adorámos Saint-Malo! É uma daquelas cidades únicas. Pela sua história, pela sua arquitectura, pela sua localização, pela sua gastronomia, pelas suas gentes, pela sua “atmosfera”… Uma cidade mágica! Numa era em que toda a gente quer ser “independente” (e vai correr mal!), ainda vamos ver uns quantos povos a inspirarem-se nas tradições independentistas de Saint-Malo que, no final do século XVI (entre 1590 e 1593), afrontou a Bretanha e a França ao proclamar a independência! “Pas français! Pas breton! Toujours Maoulin!”

E claro, fazemos a devida vénia à cuidada reconstrução levada a cabo após o quase total arrasamento da cidade na Segunda Guerra Mundial.

Haviam-nos também recomendado que, na cidade murada, deixássemos sempre o carro em zonas altas e afastadas do mar, muito especialmente na altura das “marés-vivas”, como era o caso. Confirmámos in loco os banhos de mar que as ondas conseguiam dar a alguns parques de estacionamento. Mas conseguimos um hotel com garagem, onde o “Pantera Negra” fez sucesso… Por quase não caber no portão e pelo gosto e conhecimento que o recepcionista evidenciava por aqueles veículos. Uma simpática e amena “cavaqueira” depois, e estávamos instalados no quarto com melhores vistas sobre a cidade e o porto, e com uma lista de coisas a fazer, ver e visitar (sem esquecer o “La Java”, o melhor bar da cidade, com uma decoração que mais parecia um museu de bonecas!)… E sem esquecer uma sublime degustação de ostras, de várias proveniências (onde pontificavam, claro, as de Cancale!) e onde voltámos a eleger…, as da Escócia.  Guardámos, prudentemente, a preferência desta nossa degustação… seulement pour nois mêmes…

Entretanto…, a edição de 2017 do “Rally Optic 2000” de automóveis antigos (na estrada entre 24 e 29 de Abril) tinha-se iniciado, no dia anterior, com a exposição dos veículos no Grand Palais de Paris. Esta edição contemplava, pela primeira vez, uma passagem por terras da Bretanha… No dia seguinte, os concorrentes deixaram Paris e seguiram para Saint-Malo, de onde depois partiriam para as etapas de Nantes, Limoges, Toulouse e, finalmente, Biarritz.

Portanto, o “Pantera Negra” entrou na cidade murada de Saint-Malo no meio de veículos do rally. Só não tinha os auto-colantes…

Acho que, ainda hoje, a ala feminina não acredita que tudo isto não foi planeado…

De manhã, antes mesmo de nos dirigirmos ao Mont Saint-Michel, ainda fizemos um pequeno desvio pela histórica e igualmente bem preservada Saint-Briac-sur-Mer, com passagem pela torre Solidor, seguindo a sugestão do super simpático e animado grupo de participantes do rally que jantaram na mesa ao nosso lado.





















































































Fotos: Saint-Malo.











Fotos: Saint-Briac-sur-Mer.



O Mont Saint-Michel, de seu nome completo “Mont Saint-Michel au péril de la mer”, já se encontra nos territórios da actual Normandia. O primeiro santuário foi mandado edificar pelo Bispo Saint-Aubert, de Avranches, no ano 708, em honra das três aparições do Arcanjo São Miguel, tornando-se, desde então, num importante local de peregrinação do mundo Cristão. Ao longo dos séculos foi sendo ampliado até se tornar na mais carismática abadia Beneditina, em estilo gótico, do mundo. Uma abadia, dentro de uma fortaleza inexpugnável que resistiu sempre aos ataques dos ingleses durante a “Guerra dos cem anos”, o Mont Saint-Michel é também um exemplo de arquitectura militar e, claro, um lugar simbólico de identidade nacional!

A baía do Mont Saint-Michel tem também a maior amplitude de marés da Europa continental, cerca de 15 metros!

Depois de Paris, é o local mais visitado de França e toda a zona faz parte da lista de Património da Humanidade, da UNESCO. Uma comunidade monástica mantém aqui uma presença espiritual permanente.

De per se, vale toda a viagem!






















































Fotos: Monte Saint-Michel.


Deixámos o Mont Saint-Michel ao início da tarde e dirigimo-nos a Avranches, Sainte-Mère-Église e Azeville. Mudávamos o registo, mais para os temas do “Desembarque aliado na Normandia”, dividido por cinco praias:

  - Utah beach (entre Pouppeville e La Madeleine);
  - Omaha beach (entre Sainte-Honorine-des-Pertes e Vierville-sur-Mer);
  - Gold beach (Arromanches-les-Bains);
  - Juno beach (de Courseulles-sur-Mer a Saint-Aubin-sur-Mer);
  - Sword beach  (de Saint-Aubin-sur-Mer a Ouistreham).

Não nos detivemos em Avranches (a batalha pela libertação de Avranches iniciou-se em 31 de Julho de 1944, liderada pelo General George S. Patton) e seguimos directamente para Sainte-Mère-Église, que foi tomada de assalto na madrugada de 6 de Junho de 1944 por pára-quedistas norte-americanos. Mas por erro, pois eram para ter sido largados mais junto à costa, atrás das defesas alemãs! O número de baixas do lado das forças aliadas foi elevado. Dois dos pára-quedistas caíram sobre a igreja e um deles, o soldado John Steele, ficou suspenso no campanário durante horas. O incidente é admiravelmente transposto para a “sétima arte” em cenas do filme "O dia mais longo", de 1962, com "estrelas" como John Wayne, Robert Ryan e Richard Burton (o soldado John Steele foi interpertrado por Red Buttons).

O museu militar, focado nas tropas aerotransportadas, é magnífico e muito bem estruturado, como aliás todos os museus sobres estes temas que tivemos oportunidade de visitar.

Próximo de Sainte-Mère-Église, as baterias de Azeville são, muito provavelmente, o melhor e mais bem preservado complexo de artilharia de defesa de costa alemão, em toda a Normandia e Bretanha.
































Fotos: Sainte-Mère-Église.










  





Fotos: Baterias de costa de Azeville.


Pernoitámos em Bayeux, a primeira cidade libertada, um dia após o "Dia D", tendo sido poupada às destruições da guerra.

Dá o seu nome à famosa Tapeçaria de Bayeux, que documenta a história da conquista da Inglaterra pelos Normandos. São setenta metros de comprimento, por meio metro de altura, de tapeçaria...

            “… Em 1064, o Rei Edward de Inglaterra envia Harold à Normandia, com o intuito de confirmar a William que este lhe sucederá no trono. Mas, com a morte de Edward em 1066, Harold usurpa o trono. William dá combate a Harold, derrotando-o na Batalha de Hastings, a 14 de Outubro de 1066…”

… tudo bordado com uma perfeição fabulosa.

O museu, que não se limita à tapeçaria, tinha nessa manhã muitos visitantes jovens, de escolas e liceus, em visitas de estudo. Deu gosto ver o nível de preparação dessas visitas. Não apenas vários professores sempre presentes a explicarem e a esclarecer dúvidas, como também material de estudo, com informação, desenhos, fotografias e questões, muitas questões, que faziam os miúdos andarem de estátua em estátua, de artefacto em artefacto, de pintura em pintura, qual “rally paper de museu”, a procurarem as respostas. Gostámos!

A Tapeçaria de Bayeux faz parte da lista do Património da Humanidade, da UNESCO, e quase que ofusca outras jóias históricas e arquitectónicas da cidade, como por exemplo, a Catedral de Notre-Dame de Bayeux.

Não podíamos deixar de visitar também o Museu da Batalha da Normandia onde, de uma forma cronológica diária, se ilustra o que foi a batalha que mudou o rumo da história.



















  











Fotos: Bayeux (as fotografias da tapeçaria foram retiradas da INTERNET.



Seguimos depois para Arromanches-les-Bains, a “Gold beach” da Operação Overlord. Esta pequena vila recebeu um dos dois portos artificiais “Mullberry” (ou outro foi construído na praia “Omaha beach” (entre Sainte-Honorine-des-Pertes e Vierville-sur-Mer)), que foram utilizados para o desembarque de tropas e equipamento sem que se tivesse de esperar pela reconquista de portos de águas profundas, como Cherbourg ou Le Havre.

Os portos artificiais “Mullberry” baseavam-se em enormes caixões flutuantes, em betão (construídos na Grã-Bretanha e rebocados através do Canal da Mancha), ligados entre si, e por pontões ligados a terra por passadiços flutuantes. Em três meses e meio, passaram neste porto dois milhões e meio de soldados, quinhentos mil veículos e quatro milhões de toneladas de material diverso!
Partes deste porto artificial ainda hoje podem ser vistas, encalhadas na praia.

Imperdível também, é o Museu do Desembarque, que consegue transmitir uma ideia muito precisa dos equipamentos, sistemas e operações. Consegui também aqui encontrar um DVD com o filme “O dia mais longo”, de 1962. Provavelmente o melhor filme que alguma vez se produziu sobre o “Desembarque aliado na Normandia”.






















Fotos: Arromanches-les-Bains.



Continuámos para Ranville, a primeira povoação libertada pelas forças "Aliadas", no próprio dia "D", 6 de Junho de 1944, pelo "British 13th Parachute Battalion", sob o comando do Lieutenant-Colonel Peter Luard. A crucial ponte Pegasus original já se encontra no museu, tendo sido substituída por uma réplica funcional que, claro, atravessámos.

Replico aqui o que escrevi no início deste artigo…

“… Todos os europeus, a começar pelos jovens, deveriam visitar as praias do desembarque. Talvez percebessem melhor a história recente e se evitassem muitos disparates de política internacional…”

Não visitámos tudo, claro. Apenas alguns dos pontos principais. O tema pede uma visita de vários dias ou mesmo semanas… Ainda assim, permitiu-nos “revisitar” a história, percebê-la melhor e sentir um pouco mais profundamente o que todo aquele recente teatro de guerra significou e continua a significar, para a Europa e para o mundo.

















Fotos: Ranville.


Mudámos assim o “registo”, voltando mais ao estilo de passeio “não-tão-visita-de-estudo”. Mantivémo-nos nas estradinhas locais e seguimos para a “Outra Riviéra”, a “Costa Florida”. Deambulámos por Tourgeville, Deuville  (a 'Rainha' das praias da Normandia!), Trouville-sur-Mer e Honfleur, encantadora, com um porto do século XVII e a maior igreja de madeira de França, a igreja de Sainte-Catherine. Levávamos na memória as igrejas de madeira que havíamos visitado na Noruega… Pois, não tem nada a ver. São estilos e realidades completamente diferentes.

Noblesse oblige, cruzámos a “Ponte da Normandia” e demos uma volta rápida por Le Havre, cujo centro integra a Lista de Património da Humanidade, da UNESCO. Dominada pelo porto, o segundo maior do país, depois do de Marselha, Le Havre não nos encantou por aí além… Provavelmente, não a soubemos apreciar devidamente.









Fotos: Tourgeville.


















Fotos: Deuville e Trouville-sur-Mer.























Fotos: Honfleur.








Fotos: Ponte da Normandia e Le Havre.



Tendo estado em Rennes, a “capital” da Bretanha, Rouen, a “capital” da Normandia, foi visita obrigatória.

A cidade onde morreu Joana D’Arc foi uma das maiores e mais prósperas cidades da Europa medieval. As suas origens remontam aos Celtas, altura em que terá sido um entreposto comercial. Com os romanos passou a ser uma das suas praças-fortes da região e, com a queda do Império, conheceu a regência de vários povos “bárbaros” até se tornar uma colónia viking. Depois de muito pelejar com os vikings e perceber que não os conseguiria conter, o Rei franco Carlos, o “Simples”, negociou com o chefe viking Rollo a entrega de Rouen e terras adjacentes… Em troca, Rollo, para além de se converter ao Catolicismo, não só não avançaria sobre Paris, como defenderia o vale do rio Sena de outras invasões… Assim, no ano 911, pelo tratado de Saint-Clair-sur-Epte, Rouen tornou-se a capital do que se passou a chamar Ducado da Normandia…, onde os vikings eram “amigos”. E o nome “Normandia” lá ficou…

Rica em história, Rouen é hoje uma cidade virada para o turismo, onde é muito agradável perdermo-nos por ruas e ruelas, por praças e monumentos, museus, igrejas e, claro, pela Catedral de Notre-Dame, mais uma obra-prima da arquitectura gótica.

Se a Bretanha é fenomenal, a Normandia não se lhe fica atrás!



































Fotos: Rouen.


Iniciávamos a viagem de regresso… No final do dia já ficámos em Bordéus, mas em caminho, o apelo de uma visita a Le Mans era irresistível!

As “24 Horas de Le Mans”, que se disputa anualmente, desde 1923, no “Circuito de La Sarthe”, é uma das mais emblemáticas corridas de automóveis do mundo. Para muitos, esta prova de resistência é mesmo a maior corrida do planeta!

Como parte do circuito utiliza estradas nacionais, nada como passear o “Pantera Negra” pelo dito! Este ponto da viagem tinha mesmo sido “preparado”, e o staff de Le Mans simpaticamente tinha-nos enviado todas as indicações necessárias…

"… Vous pourrez rouler sur une partie du circuit des 24H du Mans, car ce circuit est en partie composé de routes nationales. Il suffit de suivre la direction de Mulsanne, puis au rond point à l’entrée de Mulsanne, prenez sur la droite, direction Arnage, puis au STOP prenez à droite. Après avoir longé la ligne droite des stands vous trouverez le Musée des 24h sur votre droite. Comptez une dizaine de minutes pour faire ce parcours. Je tiens à vous préciser que la limitation de vitesse sur cette route est de 90 km/h maximum..."

Cumprimos os limites de velocidade!

Assim, às passagens (às vezes diárias!) por alguns dos troços do antigo “Circuito de Monsanto” (em Lisboa!) e do “Circuito do Mónaco”…, juntámos ao curriculum o “Circuito de La Sarthe”! Soube mesmo bem! Coisas de “petrol heads”!

A incursão por Le Mans não ficaria completa sem uma visita ao “Museu das 24 horas de Les Mans”. Para além das exposições temporárias, em permanência estão mais de uma centena de veículos míticos que nos contam a história da “maior corrida de resistência do mundo” e, também, um pouco da história do automóvel. Imperdível!

























Fotos: Le Mans.


A partir daqui, o trajecto voltava a ser nosso conhecido. Chegámos a Bordéus a tempo de uma passeio vespertino e de um jantar tardio na “La Mama”, a mais antiga pizaria da cidade. Ficámos na dúvida se o procedimento faria parte da preparação de jovens ciclistas, candidatos ao “Tour”…, mas as entregas de pizas eram feitas… em bicicleta…

Bordéus é a quinta maior cidade de França. Em quase todas as nossas viagens anteriores, foi apenas ponto de passagem. Desta vez, dedicámos-lhe dois dias. Recomenda-se!

A zona antiga da cidade faz parte da lista de Património da Humanidade, da UNESCO. Depois de Paris, é a cidade com o maior número de edifícios históricos, bem preservados, em toda a França!

Com origens nos tempos dos Celtas, é um centro de comércio desde há séculos. Contudo, Bordéus é hoje mais conhecida pelos vinhos. É a “capital do vinho” e, claro, não deixámos os nossos créditos por mãos alheias numa visita demorada à “Cité du Vin”.

A cultura da vinha foi aqui introduzida no século I, pelos romanos. Hoje, os números impressionam, com mais de cento e sessenta mil hectares de vinhas e uma produção anual de mil milhões de garrafas! Alguns dos melhores “néctares” do mundo, são daqui…

. Château Lafite-Rothschild;
. Château Margaux;
. Château Latour;
. Château Haut-Brion;
. Château Mouton-Rothschild…

… perdições! Até a tasca “menos nobre” serve bons vinhos nesta terra!

Para complementar o nosso encanto com Bordéus, a cidade deve ter sabido da nossa visita e o “ACSO – Automobile Club du Sud-Ouest” decidiu comemorar os seus 120 anos de existência, brindando-nos com um evento especial… Nada mais, nada menos, do que um “Concours d’ellegance en automobile”. Um desfile de (muito!) bom-gosto! Só para registo de “memória futura”, os prémios entregues (na categoria de “Veículos de colecção”) foram os seguintes:

1º Prémio de Excelência… Rochet-Schneider (1897)
2º Prémio de Excelência… Panhard CD (1964)                  
3º Prémio de Excelência… Mercedes 190 SL (1962)
Prémio do júri…................. Facel Vega HK500 (1959)
Prémio especial…............. Bugatti T57 Stelvio (1936)

Havia também uma categoria de “Veículos de prestígio”, mais actuais, onde pontificavam os Mercedes GTS AMG, os Maserati Ghibli, os Aston Martin DB 11, os Jaguar F-Type, os Audi R8… e coisas do género. Só faltou mesmo um Range Rover Classic…

Mais uma vez…, acho que, ainda hoje, a ala feminina não acredita que tudo isto não foi devidamente planeado…















































































Fotos: Bordéus (algumas fotografias dos premiados, na categoria de "Veículos de Colecção", foram retiradas da INTERNET).


Ainda tempo para nos “abastecermos” de queijos, numa lojinha que era uma autêntica “perdição”… E pronto, rumámos ao tal “centro do mundo”, em Abrantes, uma cidade acolhedora que remonta aos tempos dos Celtas e que hoje, num país pequeno como o nosso, está próxima de tudo!







Merci!!!






   Luís de Matos
   (Maio de 2017)